segunda-feira, 17 de junho de 2013

No relento



De cigarro nos lábios, vou à janela. Tento adivinhar como estará a noite, antes de me recolher em definitivo.
Está calma. Não passam carros, está fresco mas não faz vento, a humidade não ultrapassa o que o dia foi.
E neste silêncio nocturno, que nada conta do que foi a confusão diurna para umas centenas de milhar de portugueses, oiço um som incomum. Daqueles que incomodam, mesmo que à distância.
Apuro o olhar na penumbra e sondo as fachadas fronteiras. Tem de vir daí! Vinha.
De uma janela semiaberta, uma mulher fumava. Via-lhe subir o fumo na luz que brotava do interior e na ausência de brisa que fosse. Mas também lhe ouvia o choro. Soluçante. Pungente. Daqueles que, talvez, pedem um ombro para ensopar.
Não creio que a conheça. A porta do seu prédio não se abre para a minha rua e a distância não dava para identificar feições, meio tapadas pelo cabelo solto para a frente. Talvez que já nos tenhamos cruzado algures por aqui, por sob o céu ou num balcão, por via de uma bica ou de pão. Nem desconfio.
A figura recolheu e deixei de ver a sua silhueta e o fumo do seu cigarro. Tal como deixei de ouvir os seus soluços. A luz apagou-se e a rua retomou a sua tranquilidade de um bairro suburbano, com os seus dramas a coberto de vidraças e persianas escuras.
E eu quedei-me, também no escuro, até o cigarro mais não ser que um morrão no filtro.



By me

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