A
história não se passou com este cavalheiro aqui representado. Mas podia. Que
ambos partilham dos ingredientes principais: bonomia, bom-humor, simpatia e
recursos.
Desembarco
em Lisboa, na estação do Rossio. A tarde vai avançada, mas não estou atrasado.
O tempo é que não ajuda, com um céu cinza pesada, ameaçando, se não chuva, pelo
menos luz bera para o que me propunha.
Desço
os três degrauzitos e dou uns dois ou três passos, deixando espaço livre para
quem vem atrás, mas fazendo o que já me apetecia: acender um cigarrito.
Estou
nesta, e a tentar embrenhar-me no espírito do que me cerca antes de dar uso ao
que trago pendurado no ombro, e sou abordado. Os cabelos brancos contrastavam
com o tom geral da pele e da roupa, mas faziam racord com o seu sorriso, meio tímido:
“Bons
dias! Dá-me uma moedinha?”
Não
dei e disse-lho. Não que não o merecesse, quanto mais não fosse pela saudação,
mas em regra não dou. E, junto com a minha resposta, contestei o que havia
dito, fazendo-lhe notar que já era de tarde, e adiantada.
“Pois”,
retorqui-me. “Mas é de dia e, portanto, bom dia todo ele. Se fosse de noite
seria boa noite.”
Sorri
e anui, que pouco haveria a contestar tal simplicidade.
“E
um cigarrinho? Dá-me, por favor?”
Disse-lhe
que sim e levei a mão ao bolso.
“E
porque é que me dá um cigarro e não uma moeda?”
“Porque
os cigarros são meus, que sou eu que os faço e deles faço o que quero. E dar o
que é meu é legítimo. Já o dinheiro…”
Parou
um pouco, como que a pensar. Depois sorriu. Francamente. Todo ele: os olhos, a
boca, todo ele.
Depois
de guardar não o mas os dois cigarros que lhe estendi, apertou-me a mão. Firme e
calorosamente como não se esperaria de alguém com a sua idade e condição física.
Ajeitou
o boné no cimo dos cabelos branco-cinza e disse-me, com uma suavidade também
pouco suspeitavel:
“Tenha
um bom dia. E uma boa noite também.”, apontando para o céu, igualmente cinza.
Afastou-se,
todo ele ainda sorrindo.
Não
o vi mais, que a minha atenção se foi concentrar no que ali me levava.
Mas
quando, uma hora e muito depois, vi este outro, dançando ao som de uma batucada
e no meio de um círculo de gente, olhando ora para o chão ora para o céu, sempre
a sorrir, talvez que nem sabendo que fazíamos todos nós ali, lembrei-me dele.
E
o registo que não havia feito concretizou-se, com a vantagem de não mostrar o
protagonista. Que há histórias que são o que são, sem o artifício do olho de
uma objectiva.
By me
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