É
por estas e por outras que sei que nunca serei repórter.
Ontem,
concentração e desfile LGBT. Jardim do Príncipe Real, em Lisboa.
Cheguei
já havia gente concentrando-se num terço do espaço. Que outro terço estava ocupado
pelas actividades habituais do local, idosos e crianças, uns jogando cartas e
convivendo, os outros, sob o olhar atento de pais, avós ou equivalente, no
parque infantil. O terceiro terço ocupado com um mini espectáculo musical, daqueles
que animam jardins e parques da cidade por alturas da primavera e verão.
Fui
deambulando, vendo quem estava e o que fazia, aquecendo a alma antes de começar
a fotografar. Que há que entrar no espírito do evento, se não se quer fazer
apenas fotocópias.
Por
entre a cor, a alegria e a jovialidade que se previa, uma figura estranha. A
nota dissonante, o que quebrava a unidade heterogénea do lugar.
Uma
moça, rondando os vintes, solitária. Não que não houvesse mais solitários. Entre
os idosos, alguns havia que estavam à margem de tudo e todos. E, no encontro propriamente
dito, outros solitários que, como eu, ali estavam para fotografar.
Mas
esta moça não pertencia a estes grupos.
No
peito um pin com o arco-íris, sinal inequívoco da razão de ser da sua presença.
Os trajes não eram definidores do que quer que fosse, ainda que um pouco
convencionais ou clássicos para o evento. Mas mais ou menos de acordo com a sua
idade.
O
que a fazia diferenciar-se dos demais era a tristeza. Uma tristeza enorme,
funda, que aparentava vir da alma. Na sua forma de se movimentar, na sua pose, na
sua solidão, na sua expressão. Até mesmo quando lhe pedi para fotografar o pin,
o seu sorriso e encolher de ombros de assentimento foram tristes. Muito
tristes.
Continuei
naquilo que ali me tinha levado, circulando por entre gente, prestando atenção
a coisas e pessoas, a luz e perspectivas. Mas não deixei de pensar na mocinha e
na sua tristeza.
Fui-a
vendo, que não havia assim tanta gente como isso, e, a dado passo, constatei
que tinha encontrado gente conhecida. “Bem”, pensei, “pelo menos não ficará
solitária”. Erro meu. Depois dos cumprimentos e beijocas, seguiram eles para um
lado, ficou ela para trás. Triste.
O
cortejo arrancou e, com ele, a urgência de não perder o momento: luz, situações,
perspectivas. E, mesmo no meio disso, e durante as conversas que fui tendo com
conhecidos, o meu olhar procurava a triste solitária. Não a vi.
Tropecei
nela já mesmo ao final do dia, aquando dos discursos na Praça da Figueira.
Solitária e triste, como a havia visto a meio da tarde. Não resisti!
Chamei-a
de parte, para um pouco longe do som, e incentivei-a a tirar partido da ocasião,
da festa e da afirmação individual e colectiva que ali acontecia. Inconsequente.
A única resposta que obtive foi um “É complicado” sem mais. Nem eu queria saber
mais que não fosse espantar aquela tristeza profunda.
Mesmo
os sorrisos que fez para as fotografias que lhe fiz foram tristes, de circunstância.
O
dia acabou e, com ele, a luz e a função. E parti eu para outros compromissos, já
um nico atrasado.
Mas
da cabeça não me saiu, nem sai, aquele triste rosto, num ar discreto e tímido,
em nada consentâneo com a idade e o evento.
Não
fora ter eu algo já aprazado (e o tê-la perdido de vista de novo entretanto), e
juro que a haveria fazer rir, uma vez só que fosse. E não importa como.
Fotografar
algo implica criar algum tipo de empatia com o que se fotografa. Positiva ou
negativa.
Mas
fazer uma reportagem implica manter algum distanciamento, alguma imparcialidade
em relação ao que passa em frente e ao lado da objectiva.
E
é isto que eu não consigo. Nem sei se quero conseguir.
(Nota
extra: espero que não contassem que aqui mostrasse alguma das fotografias que
lhe fiz, ou mesmo que lhe refira o nome. Ficam os contrastes. Talvez que um
dia, se a tornar a ver e lhe registar um sorriso ou riso genuíno…)
By me
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