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A
tarefa da filosofia da fotografia é dirigir a questão da liberdade aos
fotógrafos, a fim de captar a sua resposta. Consultar a sua praxis. Eis o que
tentaram fazer os capítulos anteriores. Várias respostas apareceram:
1.
o aparelho é infra-humanamente estúpido e pode ser enganado;
2.
os programas dos aparelhos permitem introdução de elementos humanos não
previstos;
3.
as informações produzidas e distribuídas pelos aparelhos podem ser desviadas da
intenção dos aparelhos e submetidas a intenções humanas;
4.
os aparelhos são desprezíveis.
Estas
respostas, e outras possíveis, são redutíveis a uma: a liberdade é jogar contra
o aparelho. E isto é possível.
No
entanto, esta resposta não é dada pelos fotógrafos espontaneamente. Só aparece
como escrutínio filosófico da sua praxis. Os fotógrafos, quando não provocados,
dão respostas diferentes. Quem lê textos escritos por fotógrafos, verifica
crerem eles que fazem outra coisa. Crêem fazer, "obras de arte", ou
que se comprometem politicamente ou que contribuem para o aumento do
conhecimento. E quem lê uma história da fotografia (escrita por um fotógrafo ou
por um crítico), verifica que os fotógrafos crêem dispor de um novo instrumento
para continuar a agir historicamente. Crêem que, ao lado da história da arte,
da ciência e da política, há mais uma história: a da fotografia. Os fotógrafos
são inconscientes da sua praxis. A revolução pós-industrial, tal como se
manifesta, pela primeira vez no aparelho fotográfico, passou despercebida aos
fotógrafos e à maioria dos críticos da fotografia. Eles nadam na pós-indústria,
inconscientemente. Há, porém, uma excepção: os chamados fotógrafos
experimentais; estes sabem do que se trata. Sabem que os problemas a resolver
são os da imagem, do aparelho, do programa e da informação. Tentam,
conscientemente, obrigar o aparelho a produzir uma imagem informativa que não
está no seu programa. Eles sabem que a sua praxis é uma estratégia dirigida
contra o aparelho. Mesmo sabendo, não se dão conta do alcance da sua praxis.
Não sabem que estão a tentar dar resposta, através da sua praxis, ao problema
da liberdade num contexto dominado por aparelhos, problema que é, precisamente
tentar opor-se.
Urge
uma filosofia da fotografia para que a praxis fotográfica seja consciencializada.
A consciencialização dessa praxis é necessária porque sem ela, jamais
captaremos as aberturas para a liberdade na vida do funcionário dos aparelhos.
Noutros termos: a filosofia da fotografia é necessária porque é uma reflexão
sobre as possibilidades de se viver livremente num mundo programado por
aparelhos. Uma reflexão sobre o significado que o homem pode dar à vida, onde
tudo é um acaso estúpido, rumo à morte absurda. Assim vejo a tarefa da
filosofia da fotografia: apontar o caminho da liberdade. Filosofia urgente por
ser ela, talvez, a única revolução ainda possível."
Texto:
by Vilém Flusser, in “Ensaio sobre a fotografia”
Nota
– Esta é uma obra que recomendo a todos, fotógrafos ou não fotógrafos. Fica, no
entanto, o aviso de que não serei responsável pelos actos de quem o ler, após bem
entender o que nela consta.
Imagem:
by me
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