Verso
Um
destes dias apresentar-me-ei no Parlamento, pedirei respeitosamente a palavra
e, quando me a derem, lerei a minha proposta de revisão do código civil, penal,
comercial, fiscal, …
Tratar-se-á
de uma obra volumosa, de muitas páginas, tendo escrito na última a palavra
“continua” e coisa nenhuma em todas as outras.
O bicho-homem,
na sua busca de uma sociedade perfeita, justa e livre, acaba por fazer
exactamente o oposto: usa uma teia intrincada de leis, regras códigos, normas,
imposições e proibições que, ao invés de o libertarem, apenas o mantém
limitado.
Na
expressão plástica acontece o mesmo. Os autores vêem-se confrontados com os
limites dos suportes. Definidos em formas padronizadas pela indústria e com
regras concebidas em tempos de antanho e consideradas inabaláveis.
No
caso da fotografia ainda se vai mais longe, levando o acto de distribuir as
formas dentro do suporte com o nome de “enquadramento”. Colocar dentro de um
quadro ou quadrado, com limites bem visíveis.
As
indústrias de câmaras, papeis, molduras, imprensas, jornais, TVs, cinema, web,
revistas… seguem pela mesma linha.
Um
quarto ou meia placa, dois por três, três por quatro, widescreen, cinemascope,
meia página, mancha inteira, duas colunas…
Estou
em crer que o artista plástico mais livre da história do Homem, terá sido o
nosso ante-ante-antepassado. Com as suas pinturas e gravuras rupestres e a
ausência de limites ou imposições.
Talvez
que o seu descendente actual seja o pintor de graffitis, mas mesmo assim é
discutível.
Mas
certamente não serão os fotógrafos que, nas artes plásticas, se comportam com
mais liberdade ou a assumem, atados que estão a regras e limites.
Reverso
Vir
aqui, ou onde quer que seja, gritar “Abaixo a regras e as leis! Viva a
liberdade total!” é bonito.
Dá
um aspecto de rebeldia, de excentricidade, de enfant terrible, agravado pelo
facto de quem o diz não ser exactamente um adolescente a querer marcar um lugar
ao sol.
Se
a estas afirmações lhe juntarem um toque de acracia e se falarmos de artes, a
classificação passa para “intelectual, eventualmente culto, que sabe do que
está a falar”.
Mas
como a Terra gira sempre, e mesmo nos pólos existe o dia e a noite, temos que
ver a questão do outro lado também: as convenções, as razões da sua existência,
a sua eficácia e necessidade. Mesmo que falemos de arte e de formas de
expressão.
A espécie
humana é gregária. Se exceptuarmos alguns excêntricos que decidem levar uma
vida de ermitas, todos os indivíduos se juntam, tentando usar as suas próprias
fraquezas individuais em proveito próprio e dos outros. Unidos temos mais
força.
Mas
esta vida em grupo só é possível se nos entendermos, se comunicarmos os nossos
desejos ou necessidades e se os outros elementos do grupo (um continente, um
país, uma religião, uma família) entenderem o que queremos dizer.
Até
aqui nada de novo!
As
artes, maiores ou menores - e incluamos nelas a fotografia - são uma forma de
expressão individual mas também, quiçá principalmente, uma forma de
comunicação.
Haverá
alguns que dirão que fotografam (pintam, escrevem, compõem, etc.) para si
mesmos, pouco lhes importando a reacção dos seus iguais.
Isto
é uma mentira do tamanho de um comboio!
Por
muito egocêntrico que se seja, por muito auto-suficiente que se se declare, por
muito que se aparente uma indiferença total pela opinião dos demais, sempre se
sente satisfação quando o nosso trabalho é reconhecido e agrada. Fotografias incluídas.
Para
que este agrado aconteça, há que conhecer o que e como os outros gostam e, de
algum modo, ir ao seu encontro. A mais das vezes até não é difícil, já que
somos fruto de culturas semelhantes ou iguais e a globalização vai-as
aproximando a cada dia que passa, estreitando os conceitos de bom e de mau – no
relacionamento entre indivíduos ou grupos e nas artes e comunicação.
Os
que hoje vivem, nasceram e cresceram sob a égide dos audiovisuais (fotografia,
cinema, tv, web) que, de tanto divulgados, formataram os gostos e as
preferências. E os códigos de comunicação, já agora.
Assim,
é mais ou menos fácil de fazer um trabalho fotográfico que agrade. Basta
usarmos como referência os gostos colectivos, escolhermos deles uma linha ou
abordagem que mais nos agrade, introduzir um pequeno elemento de diferença que
crie alguma surpresa et voilá: aí estamos nós a comunicar e a agradar!
Aqueles
raros génios que rompem com os códigos e normas de comunicação e expressão
artística estabelecidos são, em regra, repudiados. Pelo menos numa primeira
fase. Porque o academismo não aceita a fuga aos cânones tradicionais, porque o
comum do consumidor ou receptor da mensagem não o entende e aos seus códigos e
não quer ter trabalho para o decifrar…
Com
o passar do tempo, este novos códigos acabam por ser entendidos, vingam e,
alguns, são elevados à categoria de mestria.
Mas
a maioria dos indivíduos não têm a capacidade (ou não se querem dar ao
trabalho) de inovar tão radicalmente. Contentam-se em usar os códigos de
comunicação instituídos (ou não são capazes de deles se afastarem) e procuram
que os seus iguais os descodifiquem de imediato, na busca do reconhecimento e
da satisfação.
Esta
atitude conservadora, que não é nem boa nem má, é tanto mais vital quanto quem
está a comunicar é um profissional ou especialista de comunicação. O seu
trabalho é fazer passar mensagens (escritas, pintadas, fotografadas) e quanto
maiores forem as dificuldades na percepção do seu conteúdo, mais difícil se
torna ele encontrar trabalho ou clientes.
Estes
profissionais debatem-se diariamente com o mesmo problema: usando as regras
para a facilidade e eficácia da comunicação (códigos conhecidos, estéticas
reconhecidas, uma pitada de surpresa), ficam muitas vezes limitados no até onde
podem ir na inovação. Em regra, não muito longe.
E isto
passa-se com os fotógrafos também, que a fotografia é uma forma de comunicação.
Quer se trate de fotógrafos amadores ou profissionais. Se pretendem que o seu
trabalho, a sua expressão - individual ou a pedido - seja entendida pelos seus
iguais, pelo público anónimo das revistas ou bem identificado na família,
amigos ou conhecidos, tem que usar os códigos, as regras, os métodos
reconhecidos por eles. E, se puder ou souber, colocar uma pitada de surpresa
pelo caminho para fazer a diferença.
Terá
se que se ater às paletes de cor dos suportes, aos formatos industrializados,
às perspectivas convencionadas e inteligíveis, aos sentidos de leitura e aos
suportes finais de exibição.
Não
respeitar os códigos de comunicação, mesmo na fotografia, é correr o risco de
ser recebido com um sorriso de condescendência ou mesmo a indiferença
explícita.
E quem
é que gosta de assim ser tratado?
By me