Ao
mesmo tempo que espreito p’la janela, tentando fazer futurologia sobre como
virá a ser o dia, fico a saber p’la pantalha que no parlamento decorrerá o
debate quinzenal entre o governo e os deputados.
O
serviço público de televisão passa por isto, sem sombra de dúvida, que saber o
que dizem e pensam (ou pensam mas não dizem ou não pensam o que dizem)
governantes e representantes do povo é importante.
E
fico eu a pensar como é possível haver tanta hipocrisia e masturbação
ideológica num espaço pago por todos nós e por pessoas cujos elevados salários
são pagos por todos nós. E que todo esse espectáculo deprimente e Kafkaniano se
mantenha com uma regularidade diária ou semanal sem que o povo faça o que quer
que seja para estancar esta sangria que jorra de uma chaga que não cicatriza.
E,
enquanto espreito p’la janela e a minha mente divaga pessimisticamente, recordo
Saramago e um dos seus poemas:
OUVINDO
BEETHOVEN
”Venham
leis e homens de balanças,
mandamentos
d'aquém e além mundo.
Venham
ordens decretos e vinganças,
desça
em nós o juiz até ao fundo.
Nos
cruzamentos todos da cidade
a
luz vermelha brilhe inquisidora,
risquem
no chão os dentes da vaidade
e
mandem que os lavemos a vassoura.
A
quantas mãos existam peçam dedos
para
sujar nas fichas dos arquivos.
Não
respeitem mistérios nem segredos
que
é natural os homens serem esquivos.
Ponham
livros de ponto em toda a parte
relógios
a marcar a hora exacta.
Não
aceitem nem queiram outra arte
que
a proeza do registo o verso acta.
Mas
quando nos julgarem bem seguros,
cercados
de bastões e fortalezas
hão-de
ruir em estrondo os altos muros
e
chegará o dia das surpresas.”
By me
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