Já
fui criminoso à face da lei.
Nos
meus tempos de estudante liceal escrevi, imprimi e distribui panfletos
clandestinos contra a guerra colonial, numa época em que tal actividade daria
direito a prisão, interrogatório e o que mais houvesse nos manuais da polícia
política. Para mim e para meus pais, que sendo eu menor de idade, eles não
escapariam ao crivo da PIDE.
Foi
um jogo de gato e rato, perigoso, mas que não me impediu, e aos que comigo o
faziam, de dizer o que pensávamos.
Já
fui um subversivo semi-clandestino.
Nos
primeiros anos da minha actividade profissional, e já depois da revolução, fiz
parte do núcleo duro de um jornal operário. Edição, redacção, distribuição. Os
processos forçosamente primários de impressão da época não permitiam ilustrações
que não em desenho, pelo que a fotografia não era usada. Distribuído entre os
companheiros da empresa, tanto da área de produção como da área de serviços e
administrativos, quase todos sabiam de onde vinham aquelas folhas policopiadas
e alguns vinham mesmo colaborar com os seus escritos e denúncias.
Nunca
fui alvo de sanções, legais ou não, por via disso. Pelo menos assumidamente
como tal, que das outras…
Fui
mantendo jornais de parede, na acepção real da palavra, com textos e imagens.
Mais acutilantes ou mais humorísticos, a denúncia e o incentivo ao não
conformismo, laboral ou social, os panfletos afixados duravam o tempo de os
censores não assumidos por eles darem e os retirarem. Entenda-se que a definição
de “censores” não se restringe ao poder instituído ou a cadeias hierárquicas. Alguns
eram os companheiros pseudo-fraternos que connosco ombreavam e eram alvo dos
temas em denúncia.
Fui
admoestado algumas vezes, e sempre longe de ouvidos de terceiros, para me “calar”.
Nunca o fiz e fui pagando, ao longo dos anos, o respectivo preço.
Nunca
o achei demasiadamente caro.
As
redes de informação abriram caminhos mais fáceis ao panfletismo de contestação e
intervenção social. Com mais ou menos sucesso nas consequências do passar
mensagem, desde o século passado que o venho fazendo. Franco-atirador,
desligado de organizações políticas ou laborais, tenho recebido alguns avisos
de contenção. Uns mais explícitos e assumidos, outros usando do anonimato que a
web permite, uns mais suaves, outros não tanto.
Nunca
o conseguiram.
Garanto
que não é agora, depois de quase velho, que vou deixar de parte aquilo que
entendo ser a liberdade de expressão e o direito a exercê-la. Nem a obrigação
de intervir na sociedade em que existo. E não serão normativos despóticos,
escritos ou sugeridos ao ouvido, que me farão parar.
Talvez
que tenha que adaptar as técnicas de escrita, de imagem e de divulgação, talvez
que recorra ao que pensava ser passado enterrado – clandestinidade –, talvez que
me apresentem facturas pesadas. Mas calar-me não.
E
é a ti, e a ti e a ti, que sei que me vão fazendo o favor de me ir lendo e
vendo e que já disso deram provas, que deixo o aviso: contem comigo para
continuar a não deixar passar em silêncio o que vão fazendo.
By me
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