Há
coisa de umas três semanas encostei-me num balcão de uma cafetaria num centro
comercial para uma inocente bica cheia.
Já
lá tinha parado, que gosto do café ali servido e há por lá um par de olhos
lindos que andei à espera de ocasião para fotografar. Já o fiz.
Mas
o homem que estava na caixa diz-me, enquanto registava e me entregava talão e
troco:
“Você
trabalha na empresa “De Tal”, não é? Agora, sem a barba, quase não o reconheci,
mas esse cabelo comprido também é inconfundível.”
Fiquei
varado! Como diabo podia ele saber isso, quando vou tendo bastante cuidado em não
o divulgar? E quando nunca o tinha visto por lá, apesar das inúmeras visitas de
estudo de que somos alvo? Perguntei-lho.
“É
que, sabe, vi uma reportagem sobre a sua empresa e numa das imagens o senhor
estava lá. Na altura reconheci-o logo pela barba como sendo um cliente aqui da
loja.”
Se
tinha ficado estupefacto, passei ao estado de furioso! Que raio! Desde há
muitos decénios que faço questão que não captem a minha imagem, seja por que
processo for, quando em trabalho.
A
minha imagem pertence-me e dela quero e posso fazer o que quiser. Na divulgação
e no impedir a sua divulgação. E se esta questão pode ser discutida se o lugar
for público, o evento em causa for público e quem faz as imagens estiver
credenciado para tal, num lugar privado como seja uma empresa não há discussão
possível. A minha vontade sobre a minha imagem é soberana e prevalece sobre
quaisquer outras, por muito interessantes ou poderosas que possam ser.
É
uma questão ética. É uma questão do que existe escrito na lei. É uma questão do
que existe escrito na Constituição. É, em última análise, uma questão de
respeito pela pessoa cuja imagem se pode ou não captar.
Tenho
advogado, desde sempre, que o advento da fotografia ou vídeo digitais vieram
democratizar a produção de imagem. Do mesmo modo que a fotografia veio
democratizar a produção e posse de retratos, por contra-ponto aos produzidos em
pintura.
O
relativo baixo custo das câmaras e demais acessórios, por via da electrónica e
produção em massa, acrescidos do custo zero de cada fotografia e respectivo
tratamento e forem tratados em casa num vulgar computador, faz com que milhões
de pessoas tenham acesso ao acto de fotografar. Coisa que não acontecia,
naturalmente, quando as câmaras eram meramente mecânicas e com as exigências
que tais mecanismos implicam na sua produção e quando cada vez que se premia um
disparador se pensava no custo da película e respectivo processamento.
Esta
democratização da fotografia é altamente positiva, já que veio permitir que
muitos tivessem acesso a ela, descobrindo assim o gosto que possam ter pela
imagem e as potencialidades criativas que possuem. O que era impensável quando
era dispendioso. E é particularmente notório este fenómeno, tanto nos jovens em
idade escolar como nos adultos.
Bem-vinda
a fotografia digital!
Aquilo
a que não posso, de forma alguma, dar as boas-vindas é o modo como a actividade
de registo de imagem é encarada pela esmagadora maioria dos possuidores de uma
câmara.
Entendem
que a simples posse lhes dá o direito de tudo registarem, de tudo guardarem, de
de tudo se apropriarem, sem nunca considerarem as consequências práticas desses
registos e das suas divulgações nem de que forma pensam os fotografados sobre o
acto de serem fotografados.
O
modo como hoje se dispara a câmara sobre tudo o que mexe ou tem luz recorda-me os
velhos filmes do Oeste Americano, onde os “bons” sacavam e disparavam as suas
pistolas sobre os “maus” ou os índios com uma displicência assustadora, como se
a vida dos seus alvos valesse menos que o custo da munição. E, bem mais grave
ainda, matavam inconsequentemente e com o aplauso do público.
Hoje
aquilo de que se “saca e dispara” com o mesmo à-vontade não projecta uma bala
mas capta a luz vinda do alvo.
Mas
as suas consequências podem ser tão graves quanto uma bala, pese embora a
eventual beleza da sua estética ou força da sua mensagem.
Disse-me
alguém que “Um fotógrafo é um taxidermista do tempo”. Mas se não houver
cuidado, se o respeito p’lo próximo for nulo, também se é um assassino de emoções
e um carrasco da privacidade.
Já
disparou sobre alguém hoje?
By me
Sem comentários:
Enviar um comentário