Enquanto
preparo o matinal café, vou mantendo a janela da cozinha aberta. O vento não se
manifesta, talvez que antecipando a borrasca, a temperatura não assusta e as nuvens
parecem querer contrariar as previsões, ainda que não por muito tempo.
E,
lidando eu com água, pó castanho e demais ingredientes, entra-me p’la janela um
som forte, ecoando nas paredes da praceta, replicando-se nas paredes da
cozinha, repetitivo, com uma cadência e tom que identifiquei de imediato.
Apesar disso, e por via de dúvidas, espreitei.
Não
me havia enganado: o que ouvia era mesmo o de tacões de botas femininos,
batendo forte no asfalto, cortando caminho p’lo parqueamento. Talvez que indo já
atrasada para a estação de comboios, bem lá mais em baixo.
E
enquanto a água subia e depois descia, transformada no líquido que me haveria
de acordar p’ro mundo, perguntei-me uma vez mais:
Será
que as senhoras, quando escolhem calçado na loja, testam o som dos seus tacões,
volume e tom, por forma a garantirem que a sua passagem é notada a dezenas de
metros, mesmo por cegos e dorminhocos?
E
se esta afirmação de presença e individualidade é bem notória numa praceta sem
vento, com o alerta a resvalar p’las paredes acima, nos lugares de chão falso,
técnico ou não e onde o silêncio é de oiro, o desejo de notoriedade redunda no
inverso: há quem se volte, num misto de curiosidade e fúria, querendo saber
quem será o equídeo que assim trota e tudo perturba.
Acaba
por ser um exercício de observação interessante: em tratando-se de gente
conhecida (trabalho, família, grupos de interesse) relacionar o uso de tais
afirmações de presença com as personalidades de quem os usa.
Nota
final: enquanto me entretinha a brincar com estas letras e palavras, e já
depois de ter a imagem tratada, confirmou-se o adágio popular: a bonança
antecede a tempestade. Vou esperar p’lo oposto, já com o café na chávena.
By me
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