É
do frio. Vou dar de barato e presumir que é do frio.
Que
é por causa das temperaturas que se fazem sentir, ajudadas pelo vento que
aumenta a sensação de frio.
Que
é disso e do facto de trazer as mãos ocupadas com sacos de compras. E sabemos
que os sacos com compras, quando pesados, cortam a circulação sanguínea,
aumentando a sensação de frio nos dedos.
Vou
supor que é disto tudo, somado ao facto de ter andado às voltas com a carteira,
ao frio e vento, com os dedos gelados à procura das malfadadas chaves da porta
do prédio. É sabido que essas coisas ficam sempre perdidas no fundo das bolsas
femininas e que são difíceis de encontrar, principalmente quando se tem frio,
quando se tem os dedos gelados e se tem pressa de entrar num lugar onde o vento
não se faça sentir.
Vou
fazer de conta que teve a ver com todos estes factores, e o ter ficado com a língua
congelada, o não me ter saudado de volta quando cheguei à porta que não conseguia
abrir nem o a ter aberto com a minha chave. Nem me ter dado as “boas tardes”
como resposta às que lhas dei, quando saí do elevador, no meu próprio piso e
bem abaixo do dela.
E,
partindo do princípio que foi o frio que esteve na origem desta falta de
cordialidade e boa vizinhança, vou desculpar esta senhora, bem mais nova que eu
e que mora no meu prédio.
Mas
só desta vez!
Que
da próxima, em percebendo eu que o frio lhe tolda os músculos do cérebro e da
boca, atiro-lhe com dois ou três cordiais palavrões, o suficiente para que core
até à raiz do cabelo.
Talvez
que assim, com a circulação restabelecida e o calor a subir-lhe às faces, a sua
língua se descongele quanto baste e me retribua a saudação ou, ao menos, que
agradeça o ter-lhe aberto a porta.
By me
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