quarta-feira, 25 de maio de 2011

Viva quem faz!



Da história que a seguir conto só posso afiançar com todo o rigor aquilo de que fui testemunha.
No entanto, de todo o restante, não tenho nenhum motivo para duvidar, até porque dela tomei conhecimento em duas ou três ocasiões, e sempre coincidente o suficiente para a ter por verdadeira.

Eu estava no Jardim da Estrela, com a minha câmara montada, cadeira e demais artefactos. Vi-os chegar na minha direcção e, pelo passo decidido que tinham, pensei naturalmente que iria ter mais clientes.
Mas, à medida que a distância encurtava e lhes fui percebendo os semblantes, percebi que não, que de outra coisa se trataria. Ela vinha chorosa, ele, um garoto pequeno, de cara fechada, no chão. E quando a conversa se tornou possível, perguntou-me ela se eu teria visto ou sabido de uma carteira com dinheiro e documentos perdida ali pelo Jardim.
Infelizmente, não tinha nem boas nem más notícias para lhes dar, que de nada sabia, mas deixei-lhes a certeza que, em sabendo de algo, deixaria recado na esplanada.
E partiram, com os olhares perscrutadores, cheios de uma esperança atraiçoada por uma certeza.
Já ao finzinho do dia, cruza-se comigo uma outra senhora, bem mais velha, das que comigo ali davam dois dedos de conversa, por vezes mais. E conta-me a história toda, ainda que lha não tenha perguntado:
A senhora terá entregue a carteiro ao filho para que ele fosse comprar um gelado. Comprar e comê-lo sobe-o ele, agora recolher a carteira que havia pousado no degrau onde se havia sentado é que não, pelo que por lá ficou, perdida para a sua dona, achada por alguém que não se deu por achado.
E eles, que viveriam para os lados de Almada, não só ficaram sem os documentos e o que isso significa, como mesmo sem meios de poderem regressar a casa.
No périplo que foram dando, dentro e fora do Jardim, acabaram por ir perguntar numa porta discreta, mesmo ao lado da porta principal da basílica da Estrela. Fica aí sediada a Fundação “Pró Dignitate”, presidida por Maria Barroso, a mulher de Mário Soares. E estaria ela a sair, sabe-se lá para onde, e ouviu a demanda de mãe e filho. Das duas ou três perguntas que lhe terá feito, uma foi exactamente se tinham como regressar a casa, morando onde moravam. E sendo a resposta negativa, terá aberto a sua carteira e dela tirado uma nota de cinquenta euros que lhes deu, para as primeiras necessidades. Assim, anonimamente e quase sem testemunhas, que não as vítimas e o porteiro que lhe estaria a segurar na porta.

Como disse no início, da veracidade da história só posso afiançar as conversas que tive. O resto, foi por ouvir contar. Mas quem ma contou, tanto a minha conhecida como na esplanada, não me deram indícios de ser mais uma daquelas fábulas que por aí circulam.
E, sendo verdade como creio ser, só me leva, uma vez mais, a alimentar a certeza de que a cidadania e solidariedade é isto mesmo: o que é preciso, quando é preciso, e sem alardes ou repórteres pelo caminho.
E, como diz alguém que conheço, “Viva quem faz!”

Texto e imagem: by me

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