terça-feira, 17 de maio de 2011

Por um cigarro



Os actuais sistemas de controlo de passageiros com cancelas automáticas, na CP, não são o que há de mais prático. Na hora de enchente, é ver todo a gente a acotovelar-se junto às cancelas, tentando lutar com o sistema electrónico, que nem sempre funciona bem, com alguns praguejares e encontrões pelo caminho. Confesso que não estou para aturar isso.
Assim, prefiro deixar-me ficar para trás, acendendo o meu cigarrito e esperar que a confusão passe. Em passando, logo passo eu.
Pois uma destas tardes, regressava eu de mais um dia de madrugadas, e sou abordado no cais por duas garotas. Pede-me uma delas um cigarro. Olhei-a de alto a baixo, o que até foi rápido considerando o seu tamanho, e fiz aquilo que faço sempre quando a dúvida se impõe:
“Olha lá: e tu tens idade para andar a fumar?”
A resposta não tardou nem segundos, reforçada pela amiga: que sim senhor, que fazia 20 anos em Junho e, quando instada a prová-lo, bem que procurou pelos bolsos das calças trapalhonas pelo BI, mas não o encontrou.
A resposta foi atabalhoada mas veemente. Podia ser mentira mas, pelo esforço, até que merecia um prémio. Mas teria que pagar por ele. E atirei-lhe, como faço volta e meia:
“Ok, ‘tá bem! Mas fazemos um negócio: um cigarro por uma fotografia dos teus olhos”!
Ai diabo que tal disseste! E que não, que não se sentia bem em frente das câmaras, que também ela era fotógrafa mas que nunca deixava que a fotografassem… E afastaram-se as duas em direcção à escada que conduz às malfadas cancelas. Já com alguns metros de distância, insisti que seriam só os olhos, nada mais, e a resposta que recebi da amiga deixou-me de boca aberta: “Não vale a pena que ela não alinha nessas coisas. É lésbica!”
Fiquei de boca aberta, primeiro de surpresa, depois das gostosas gargalhadas que dei e que ecoaram sob o telheiro da estação.
É que quaisquer dúvidas que pudesse eu ter sobre as suas idades se desvaneceram de imediato com esta declaração pública e impúdica sobre a sexualidade daquelas duas garotas. Que a homossexualidade, masculina ou feminina, não pode nem deve ser usada como arma ou escudo para o que quer que seja. Cada um é o que é, por direito próprio, e aos demais não pode restar outra coisa que um desejo sincero que sejam felizes.
A homofobia (tal como a xenofobia e outras formas de discriminação) é um dos podres da sociedade em que vivemos, quantas vezes provocada exactamente por aqueles que se sentem perseguidos.
Uma hora e pouco depois, no meu bairro, acabámos por nos encontrar de novo e fizemos o negócio como proposto: um cigarro por uma fotografia dos olhos, tendo por bónus extra uns dedos de conversa, que a vizinhança entre mim e uma delas serviu de mote.

E, a título de complemento a esta estória verídica, fica a informação de que hoje se celebra o Dia Mundial Contra a Homofobia e Transfobia.

By me

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