quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Parar o relógio


Por uma questão de principio, não corro para apanhar um comboio ou autocarro. Enfim, a menos que o seguinte demore duas horas ou mais.
Em regra, prefiro organizar as minhas deslocações, contando com tempo para esperar. E pensar. E ver.
Foi o caso deste dia, melhor, noite. Eu a tirar o bilhete na máquina automática e os passageiros a descerem já a escada, afastando-se da composição que eu queria apanhar. Não iria a tempo deste e o seguinte demoraria meia hora a chegar. Paciência!
Recolhi o troco e o bilhete, peguei no meu artefacto que estava no chão, que a mochila e o tripé já estavam no ombro, e encaminhei-me para as escadas rolantes. Ao pisa-las, ouvi o apito de partida e o silvo das portas a fecharem-se.
“Ainda vou a tempo de ver as luzes vermelhas da retaguarda a afastarem-se na noite”, pensei. E deixei-me subir na tranquilidade do motor ascensor.
Ao chegar ao cais, a lombriga de ferro ainda lá estava. E só ela com quer que estivesse a bordo, que a plataforma estava deserta, não fora eu mesmo ali.
Por ser um comboio curto, o topo das escadas que usara ficavam à frente da cabine do maquinista. E teria que andar um pouco para chegar à porta por onde embarcaria se estivesse aberta, o que fiz sem nenhuma convicção. As luzes do botão de fazer abrir portas estavam vermelhas, significando que estavam trancadas e prontas para a marcha.
Mas ao acercar-me da porta para me deixar ficar por ali em espera, ouvi o silvo do destrancar porta e o vermelho passou a verde luminoso. Claro que aproveitei, com as minhas bênçãos ao maquinista e a promessa de lhe reservar um lugar num qualquer paraíso onde eu chegasse primeiro que ele.
Na estação onde saí, e onde faria transbordo para outra composição, avancei no cais em direcção à frente do comboio, ultrapassando-a. Por ser de noite, não me foi possível ver as feições de quem ia aos comandos eléctricos, mas vislumbrei-lhe o claro da cara na luz fraca do painel de instrumentos.
Parei virado para ele e, com um gesto amplo do braço, saudei-o na pala do boné, com uma ligeira vénia. Vi o seu braço acenar de lá de dentro, apitou e arrancou.
Não lhe sei o nome e não o reconhecerei se o vir. Mas para ele, e para além do meu obrigado, aqui fica o momento em que ele “Parou-o-relógio” para mim: 21:27/28!


Texto e imagem: by me

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