quinta-feira, 5 de agosto de 2010
Barrigas
Este episódio já não é novo.
Passou-se a meio de um mês, a meio de uma semana, a meio de uma tarde.
Entrei naquele supermercado para comprar dois ou três artigos. Tão pequeno era o negócio, em preço e volume, que nem cesto ou carrinho de compras levei. Fiquei com eles na mão.
Para o pagamento, dirigi-me às caixas. Das muitas dezenas que por lá existem, apenas uma meia dúzia estava aberta, de tão pequeno era o movimento. E, mesmo assim, dei com uma sem clientes, a que me dirigi.
Ao colocar os artigos no tapete rolante, a menina que ali estava regressou dos pensamentos profundos que estava a ter, sobre a sua conta bancária, o orgasmo da véspera ou fosse lá o que fosse.
Olhando primeiro para os artigos a pagar e depois para mim e para as minhas barbas, declarou-me com voz peremptória:
“Esta caixa é reservada a grávidas!”
Atónito, olhei para ela e, em seguida, para trás e acima. De facto, lá estava a placa com os símbolos de uma cadeira de rodas e de uma mulher grávida. E com os dizeres de “Caixa prioritária”.
Na minha interpretação, aquilo significava que, em surgindo alguém naquelas condições, os demais clientes deveriam ceder o lugar. E não que ali apenas se atendessem deficientes ou grávidas.
Puxando o colete para trás e empinando para a frente o meu já de si proeminente ventre, limitei-me a perguntar:
“E como acha que eu estou?”
A dar fé naquilo que li na sua expressão, na minha camisa tinham surgido dois buracos ao nível do umbigo, dos quais se expandiam dois braços, em cujas extremidades duas mãos lhe faziam carícias nas suas mais que vermelhas faces.
Não emitiu um som que fosse. Registou os produtos em causa, aceitou o meu dinheiro e entregou-me o troco e o talão, recuperando entretanto a cores habituais.
Presumo que, em passado todo este tempo, ela já tenha tido uma barriga maior que a minha, que a tenha perdido e que possua um bebé ou criança feliz e saudável.
E que tenha aprendido a diferença entre “caixa reservada” e “caixa prioritária”.
Mas, e principalmente, que tenha encontrado outros como eu que não dependem de placas ou cartazes para ceder o lugar a quem dele necessita.
Texto e imagem: by me
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