quinta-feira, 31 de julho de 2008

O parafuso


A história passa-se nos arrabaldes de Maputo.

Uma fábrica, montada ao abrigo de acordos de cooperação Afro-europeus, processava carnes.
Equipada com maquinaria de penúltima geração, possuía uma máquina que era o coração da fábrica. Introduzia-se o porco de um lado e do outro saíam as salsichas, os presuntos, os chouriços, os fiambres, etc.
Acontece que esta máquina avariou! Passou a ejectar salsichas salgadas, chouriços com osso, presuntos entripados e toucinhos… bem, ninguém quer saber como estavam a ser produzidos os toucinhos!

O dono começou a ficar cinzento, o que por estas bandas é sintoma de desespero. Sem a máquina, a fábrica parava e lá se ia o negócio e os subsídios europeus.
Entrou em contacto com o representante da máquina, no centro da cidade, para que lhe enviassem um técnico.

No dia seguinte, com uma pontualidade germânica, ao abrir da fábrica apresentou-se o engenheiro alemão. Envergou a bata, calçou as luvas e começou a examinar o complexo monte de peças móveis e fixas, circuitos eléctricos e electrónicos. À medida que espreitava aqui e ali, ia tomando notas nuns impressos que ia extraindo de uma pasta de couro que trazia sempre consigo.
Passadas duas horas, apresentou o diagnóstico e a solução:
“Esta máquina tem um parafuso com a rosca moída. Acontece que sou especialista em porcas, pelo que não posso resolver o problema. Há que chamar o nosso técnico em parafusos. É coisa para umas três semanas, já que ele se encontra em comissão de serviço na América do Sul.”

O cinzento do patrão ia aclareando. Ao fim de três semanas, já nem couratos conseguia fabricar ou vender!
A alternativa, bem mais cara, seria chamar um outro fabricante, americano, sediado em Pretória, que talvez resolvesse o assunto.
Trinta e seis horas depois, chegavam três carrinhas pretas de vidros fumados. Os fatos escuros, tal como os óculos dos seus ocupantes, poderiam sugerir outra ocupação, mas de imediato se dirigiram ao interior da fábrica.

Ligaram à máquina diversos terminais, conectados com os seus computadores portáteis, sincronizados com a antena de satélite que um deles, entretanto, tinha montado. Quinze minutos depois tinham uma resposta impressa em diversas línguas, para que não houvessem dúvidas:
“Existe um parafuso com a rosca moída que impede todo o funcionamento normal da máquina.”
No entanto, e em virtude da diferenças das unidades métricas existentes, não poderiam resolver a questão que não fosse venderem toda uma máquina nova, última geração, automatizada e computorizada.
Caramba! O acordo de cooperação era com os europeus e estes não gostariam de ver os seus euros transformados em dollares desta maneira!

Já branco de desespero, lembrou-se o patrão de um português que trabalhava de mecânico numa oficina ao fundo do bairro. Constava ser mágico com as mãos e que não havia avaria ou deficiência que não resolvesse.
Chamaram-no.

Ao fim do dia veio, com a sua mala metálica chocalhando de ferragens e ferramentas.
Pediu para porem a trabalhar a máquina, espreitou aqui, deu umas marteladas ali, rastejou acoli e, passado um bocado, deu o seu veredicto:
“Tem um parafuso com a rosca moída! Não tenho destes. Mas ali ao fundo existe uma peça que tem seis e trabalha bem com cinco. Tira-se um de lá para cá e o assunto fica resolvido!
Mas, por favor! Não digam nada ao meu patrão que é uma coisa assim simples, que eu quero ir passar uns dois dias ali à praia!”

Assim são os Portugueses: especialistas em coisa nenhuma, peritos no desenrasca, amantes do nada fazer. Mas, quando fazem algo com dedicação – o que é raro – fazem-no bem e com rapidez.

Pena é que a sociedade não se restaure com expedientes e desenrascanço!



Texto e imagem: by me

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