terça-feira, 8 de julho de 2008

Mau feitio


Que eu tenho um mau feitio levado da breca é do conhecimento geral de quem me conhece.
Há coisas que me fazem sair do sério e só não intervenho mais incisivamente por questões de comodismo ou de desprezo pelos demais intervenientes!

Regularmente vou ao cafezinho ali a meio da rua tomar a “bica com bolo” da ordem.
Duas, três horas depois de acordar, dadas que sejam as voltinhas na web, o pequeno-almoço doméstico, a higiene matinal e uma boa dúzia de cigarros consumidos na ânsia de repor os níveis de nicotina perdidos com o sono.
Neste café, que prima pela luz e pela simpatia de quem ali trabalha, existe o hábito de se encontrarem disponíveis alguns jornais diários. Não que eu os consuma, que os do desporto ou dos boatos e maledicência me passam ao lado. Mas muitos há que o fazem.
Regra geral, esta leitura pública acontece à mesa, com todo o tempo e conforto, com uma chávena de café já vazia, por vezes num convite implícito a que os recém chegados se juntem à mesa.
Mas alguns há que fazem do balcão o seu lugar de leitura. Escancarado em cima do vidro, de braços abertos apoiados, chegam a chávena para o lado para deixar as letras livres.
Mas só as letras, que o espaço que os demais consumidores da loja utilizam fica restrito àquilo que entendem deixar livre. Nem para aceder ao que se quer consumir nem mesmo para se poder ver o que está em venda no expositor.
O cúmulo do azar será encontrar um casal que o faça em conjunto!
Aí o pedido da bica é feito por cima dos ombros, a recepção da chávena é feita por cima do jornal e o deitar do açúcar é um jogo de equilibrismo entre o pacote e o café.
Este olhar para o próprio umbigo é algo que me faz sair do sério, por vezes levando-me a ter “saídas” não muito simpáticas.

Um destes dias deu-me para esta, em pleno bairro de Alvalade, em Lisboa: “Desculpe, mas… será que o meu café atrapalha o vosso jornal?”
O olhar que recebi na volta, se disparasse, ter-me-ia transformado num passador! O aspecto de “patos bravos novos-ricos” com excesso de gel para um e roupas dignas de um “trottoir” para a outra, bem davam a entender que o dinheiro que possuíam, ganho sabe-se lá como, lhes dava direito a ocuparem todo o mundo e arredores.
Mas nem com esta afirmação consegui os míseros centímetros vitais para receber a chávena.
Não fui de modas! Com ar de desastrado, entornei quase todo o bendito café por cima do jornal, com uns salpicos adicionais para aquelas roupas engomadinhas.
Pedidos de desculpa, exclamações de desagrado, mas lá consegui tomar a bica no espaço que me seria devido pelo preço que paguei!
Por parte de quem estava do outro lado do balcão não houve comentários. Mas os discretos sorrisos que lhes vi, depois da saída deles, bem que afirmavam um “Bem feita!” Mas como o cliente tem sempre razão, pouco mais poderiam ter feito.
Que este acto não foi bonito, não foi! Mas que me soube muito bem, lá isso soube!

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