Eu até nem queria falar nisto, até porque anda nas bocas do mundo e nas aberturas dos noticiários. Mas é por andar nas aberturas dos noticiários que me apetece falar. E protestar, se é que serve para alguma coisa.
Aconteceu, na semana passada, uma situação de confrontos físicos, com tiroteio à mistura, entre dois grupos ou etnias num bairro dos arrabaldes de Lisboa. A polícia interveio, deteve gente, apreendeu armas, algum amador gravou de uma janela algumas imagens. O chefe da polícia falou, o presidente da junta falou, o da câmara também, assim como o ministro.
Uma das etnias em confronto, a cigana, que lá reside faz tempo por ter sido realojada aquando da construção da expo98, diz que tem medo, pegou em bagagens, que das armas pouco se sabe, e zarpou, passando a noite nas carrinhas ou ao relento e pedindo às autoridades competentes, outras habitações.
As entrevistas e declarações são várias, dos chefes de famílias ou às suas consortes, aos chefes de clã, a testemunhas da fuga e afins. Os carros de reportagem televisiva estão por lá, no bairro ou junto aos locais onde os protestos e pedidos são feitos. Não nos podemos esquecer que estamos já no verão, que a política está quase de férias e os incêndios ainda não vão acontecendo para fazer as manchetes e os directos.
No entanto…
No entanto ninguém fala do outro grupo, da outra etnia envolvida, aquela mesma que provoca o tal medo que faz fugir ciganos de casa, mesmo que dada.
Do pouco que consegui saber, trata-se de africanos, migrantes de primeira ou segunda geração, igualmente excluídos socialmente e igualmente realojados em bairro camarário ou equivalente.
Esta ausência do contraditório, do falar na outra parte, no expor e descrever todos os factores da contenda, cheira-me a suspeito. Mesmo que esses outros, os não mostrados e olvidados o sejam porque não querem aparecer, não querem falar, não se querem expor, mesmo estes argumentos não colhem, que para o pacato do cidadão, ao ver as notícias, fica com a ideia que a contenda aconteceu apenas com e devido em exclusivo a ciganos.
Ninguém fala nas desavenças permanentes entre ambos, na difícil mesclagem entre grupos.
E esta abordagem parcial do problema, expondo uns, ocultando outros e não referindo a miscenização forçada pelas forças políticas, desagrada-me. É um fechar de olhos público, ou um apontar o dedo publicamente, por parte dos media (tanto a imprensa como a rádio como a tv).
E a isto pode-se dar um nome muito feio: xenofobia encapotada! Ou, se preferirem, xenofobia politicamente correcta.
Que, se ainda pesa na consciência nacional (e na particular de muitos) o processo de descolonização e o êxodo para a metrópole que então aconteceu, em relação à comunidade cigana nada pesa no colectivo. Bem pelo contrário, para estes há sempre uma palavra e uma acusação explícita ou implícita. E só uns poucos, meio “líricos”, erguem a voz em sua defesa, quando tal se justifica.
Esta história está mal contada e os muitos que a contam são responsáveis pelas opiniões que, com ela, se vão formando.
E quem quer que erga a voz junto daqueles que têm a obrigação de a todos dar voz, acaba por ser silenciado com o olhar da indiferença ou com o olhar de “nada tens com isso” ou, pior, com o “Cala-te que é melhor para ti!”
É este o quarto poder, o que não é democrático porque nunca sufragado, e que cuja responsabilidade é apenas perante os interesses privados ou não confessos de uns poucos decisores.
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