quinta-feira, 1 de outubro de 2015

A bota



Se eu tivesse cruzado o portão uns trinta segundos mais cedo, teria seguido naquele autocarro. Mas não segui.
Se eu tivesse seguido naquele autocarro, não teria estado ali na paragem uns bons vinte e cinco minutos à espera do seguinte. Mas estive.
Se estivesse de chuva, teria passado esse tempo abrigado sob o telheiro. Mas não estava.
Foi assim que, enquanto deambulava por ali, ora ao sol, ora fugindo dele, espreitando a curva na franca esperança de ver surgir o autocarro e matando o tempo com cigarritos, que o meu olhar vagueou por tudo quanto era visível, óbvio e bem exposto.
E quando tudo estava mais que visto, até porque a paragem é a do costume, que procurei espreitar onde não costumo, em busca do que quer que fosse que ocupasse a mente para além da impaciência.
No recanto, logo ali atrás do telheiro, mal visível a quem passe que o espaço para tal é exíguo, que tropecei em mais uma. Bem direita, quase escondida do sol, no meio de lixo e ervas e folhas secas e velhas, todas elas à espera de uma limpeza daquelas que só acontecem nas mudanças de estação ou quando os odores se excedem. Ou ainda quando os actos eleitorais se avizinham e são mais locais que nacionais.
Ficarei sempre sem saber como terá ido ela ali parar. Que o acesso a tal local nada tem de fácil ou de ocasional.

Encontro peças para a minha colecção de sapatos, botas, chinelos, pantufas e afins abandonados na rua nos locais mais esconsos, nos momentos mais insuspeitos e pelos motivos mais díspares.
Mas há uma tónica comum a todas as peças que encontro e registo:

Estar eu de alma aberta e atento ao que me cerca.

By me 

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