Se eu tivesse
cruzado o portão uns trinta segundos mais cedo, teria seguido naquele
autocarro. Mas não segui.
Se eu tivesse
seguido naquele autocarro, não teria estado ali na paragem uns bons vinte e
cinco minutos à espera do seguinte. Mas estive.
Se estivesse de
chuva, teria passado esse tempo abrigado sob o telheiro. Mas não estava.
Foi assim que,
enquanto deambulava por ali, ora ao sol, ora fugindo dele, espreitando a curva
na franca esperança de ver surgir o autocarro e matando o tempo com cigarritos,
que o meu olhar vagueou por tudo quanto era visível, óbvio e bem exposto.
E quando tudo estava
mais que visto, até porque a paragem é a do costume, que procurei espreitar onde
não costumo, em busca do que quer que fosse que ocupasse a mente para além da
impaciência.
No recanto, logo
ali atrás do telheiro, mal visível a quem passe que o espaço para tal é exíguo,
que tropecei em mais uma. Bem direita, quase escondida do sol, no meio de lixo
e ervas e folhas secas e velhas, todas elas à espera de uma limpeza daquelas
que só acontecem nas mudanças de estação ou quando os odores se excedem. Ou
ainda quando os actos eleitorais se avizinham e são mais locais que nacionais.
Ficarei sempre sem
saber como terá ido ela ali parar. Que o acesso a tal local nada tem de fácil
ou de ocasional.
Encontro peças
para a minha colecção de sapatos, botas, chinelos, pantufas e afins abandonados
na rua nos locais mais esconsos, nos momentos mais insuspeitos e pelos motivos
mais díspares.
Mas há uma tónica
comum a todas as peças que encontro e registo:
Estar eu de alma
aberta e atento ao que me cerca.
By me
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