Regra geral, as
pessoas sentam-se nos bancos dos comboios. As excepções acontecem quando já não
há lugares vagos e há que viajar de pé.
Ou tratando-se de
malta nova, que se senta onde calha, no chão, desde que esteja a conviver com
amigos.
Outra excepção foi
a que assisti hoje, ainda agora.
Chegando
anormalmente rápido, num passo miudinho, sentou-se no chão, junto a uma das
portas. E concentrou-se anormalmente na leitura de um folheto mais que
amarrotado longitudinalmente, de uma grande superfície. Electrodomésticos,
pareceu-me.
A magreza do seu
corpo, reforçada pela extrema magreza do seu rosto, ainda que escondido por uma
farta e cerrada barba negra, junto com a falta de higiene das roupas puídas e
coçadas, não dava azo a dúvidas sobre o vício que o consome. Rapidamente.
Um minuto depois,
um e meio, não mais, passa outro homem que percorria a carruagem em passo
igual. Com igual aspecto, pelagem e higiene, variando apenas na altura: muita.
Parou à sua beira
e estendeu-lhe um quase vazio pacote de bolachas. Maria, vi. E digo quase
porque pude contar que ainda continha umas três bolachas. Tantas quantas as que
ficaram de fora, na mão suja de quem oferecia.
O ruído do comboio
e as conversas de jovens estudantes universitárias junto a mim não me
permitiram perceber o que o sentado disse, olhando para cima. Mas o movimento
dos seus lábios não me deixou enganar: “Obrigado”.
O que estava de pé
seguiu o seu caminho, pelas coxias ferroviárias: passo curto e rápido, olhar de
medo.
O que estava
sentado levantou-se umas duas estações de pois, e saiu. Seria natural sair
naquela estação desta linha suburbana. E, ainda que discreto, ia mordiscando
uma das bolachas.
É sempre entre os
que menos têm e mais dificuldades passam que se encontram os mais generosos
actos de partilha.
By me
Sem comentários:
Enviar um comentário