segunda-feira, 18 de maio de 2015

Diálogo hipotético, ao jeito dos antigos, sobre um tema actual





- E porque é que não fazes fotografia em preto e branco?
- Já o fiz. Tenho uns milhares de fotografias em preto e branco de arquivo. E tive o respectivo laboratório, como não podia deixar de ser. Mas agora não quero.
- Porquê?
- Por um lado porque fotografar em preto e branco é muito mais difícil, e eu não sou assim tão bom a fotografar.
- Mais difícil?
- Claro! Colocar alguma coisa em evidência dentro de um rectângulo é muito mais difícil em preto e branco. O jogo de composição, o uso das linhas reais ou imaginárias, a luz, têm que estar realmente bem, temos que as usar realmente bem, ou o resultado é fracote. Já em cor, basta uma cor mais saturada, ou contrastada cromaticamente com as que estão em redor e, de imediato, aquilo salta à vista. Mesmo que as linhas, o equilíbrio, a luz, não estejam lá muito bem.
- Mas há excelentes fotógrafos que usam o preto e branco e que nos enchem as medidas.
- Pois há. Mas eu não sou excelente. E não me fico por aqui nas explicações.
- Então?
- Entendo que o preto e branco, a cor ou mesmo o monocromatismo estão para a fotografia como o conto, o romance, o ensaio, estão para a escrita. São estilos. E cada um usa o estilo em que se sente mais confortável. O meu relacionamento com o que me cerca é em cor. A cor da luz, os contrastes de cor dos assuntos, realçados ou misturados pela luz, são em boa medida o que me faz reagir e querer ou não fotografar. A própria composição e o dinamismo entre os elementos atrai-me ou não em boa medida devido à cor. E os registos que faço advêm do que sinto. O preto e branco é apenas uma forma de usar a cor, no caso pela sua ausência. Por vezes, o que me faz reagir, ou querer compor algo em estúdio, é exactamente a quase ausência de cor.
- Então e os mestres da fotografia, os que nos deixaram magníficas fotografias em preto e branco? Não tens vontade de fazer como eles?
- Se fosse bom fotógrafo, se dominasse bem a técnica do monocromatismo, talvez. Até já o fiz, com paupérrimos resultados.
Mas tenho para mim que os mestres (e os não mestres) não são para imitar. O que fizeram é o seu próprio caminho, que souberam encontrar e dominar. Não fotografo para fazer como os outros. Fotografo aquilo e como me apetece.
Claro que as influências deles são importantes. Se não os tivesse visto e, por vezes, tentado imitar, não seria o que sou hoje, bom ou mau.
Mas mais importante que fazer como eles é fazer como eu. É passar para a bidimensionalidade da fotografia aquilo que os meus sentidos e alma me contam.
- Mas não queres ser um bom fotógrafo como eles?
- Nem de perto nem de longe! Não quero ser um bom fotógrafo de forma alguma! Quero, antes de mais, fazer melhor hoje o que fiz que fiz ontem, e sem me repetir. Quero olhar para o que faço e poder dizer ou sentir que está bom mas poderia estar melhor. Ou, de outra forma, isto foi o que senti hoje, veremos como o sinto amanhã. O conceito de “bom” e “mau” é sempre relativo e comparativo. E, pior que isso, competitivo! E eu recuso, liminarmente, a competição naquilo que crio ou faço.
Claro que fotografia também comunicação. E quando consigo que o que quero contar chegue às almas de quem as vê, sei que consegui comunicar. Mas não é o meu objectivo primordial.
- E o preto e branco não serve?
- Para mim, as mais das vezes, não. Antes de comunicar com os outros tenho que comunicar comigo. E se o meu relacionamento com o mundo que me cerca é em cores, o uso do preto e branco por sistema não é a minha forma de expressão mas apenas o recurso a uma fórmula conhecia (e difícil) de comunicar com os outros, não sendo o que me vai na alma. E se uma fotografia feita por mim não “fala” comigo, não me satisfaz.
- E não usas o preto e branco?
- Se e só se isso me apetecer e quando o resultado me satisfizer. O que acontece raramente.
Delicio-me com os trabalhos de mestres, que o usam por opção, admiro o que outros fizeram quando não tinham outra opção, mas não é a minha forma de expressão. Nem a minha opção.
E dá-me muito mais gozo fazer um registo em cor que pareça um preto e branco. Que se eu o vi quase que em preto e branco e consigo assim reproduzir, então consegui o meu objectivo, mesmo que amanhã pense que faria de outra forma.

By me

2 comentários:

Anónimo disse...

"sinal vs ruido" uma abordagem...
https://www.youtube.com/watch?v=z65jlY4e908

JC Duarte disse...

Obrigado companheiro! Muito bom!