quarta-feira, 6 de maio de 2015

A luz





Não era para ser nem assim nem hoje.
Mas o que mais faz rir os deuses, quando se encontram num tasco lá no Olimpo, é conversarem sobre os planos dos Homens.
Portanto, fui ver hoje a exposição fotográfica de Sebastião Salgado.
Sabia ao que ia, mas nem esperava tanto. Tanta qualidade ali, a transbordar daquelas fotografias.
Claro que me encheu o olho e a alma os assuntos fotografados. Andou ele por meio mundo para os procurar e registar, fazendo com que tenhamos uma visão talvez diferente de quem somos, onde estamos e o que fazemos com a nossa civilização.
Na prática, uma continuidade do seu trabalho. Do seu excelente trabalho.

Mas o que me deixou rendido foi o seu olhar. Foi a capacidade de conjugar o que lá estava com a luz e de o registar. Caramba! Fiquei boquiaberto com tão bom.
Depois… depois fiquei satisfeito comigo mesmo.
Porque aquilo que ali me encheu até aos bordos é exactamente aquilo que procuro fazer.
Não falo dos assuntos mas da luz.
É aquela luz que eu gosto, é aquela luz que eu quero usar.
Aquela luz que vem de lá, do outro lado do assunto, que mostra os relevos e as texturas…
É notória essa abordagem na esmagadora maioria das imagens mostradas. Até mesmo numa situação em que se esperaria que fosse o contrário – o interior de uma cabana construída no alto de uma árvore, a opção foi estar de frente para a luz. Lindo!

Claro que não gostei da luz da sala a reflectir-se nos vidros, obrigando a gincanas entre o restante público para ter a riqueza da totalidade da gama tonal.
Tal como não gostei do ecoar nas paredes das conversas de grupos de galináceos, que com isso impediam a concentração no exposto. Quase pareciam estar numa loja em saldos.
E odiei o livro à venda à saída! Não tanto pelo preço, e era bem caro. Mas há coisas cujo valor não se mede em euros. Odiei a péssima impressão gráfica, com os pretos profundos transformados em meros cinzentos-escuros.
E detestei belas fotografias completamente estragadas porque impressas a duas páginas. Caramba! Uma fotografia, tal como um quadro, é para ser vista num todo e não com a sua geometria e gestão de espaço selvaticamente truncados e adulterados pela curvatura das páginas na sua união. Para já não falar que essa mesma união, porque branca, cria uma risca dissonante mesmo a meio dos tons da fotografia.
Claro que daqui por dois, cinco ou dez anos poucos se lembrarão dos tons profundos e puros pendurados naquelas paredes. Os que tiverem a oportunidade de agora os ver. Mas acabadinho de sair das salas, de me sentir esmagado pela qualidade do mostrado, ser confrontado com aquilo… não o comprei.
Mas o que vi ficou-me na memória.

Para quem ainda não foi, vá! Que os tugas têm o péssimo hábito de guardar tudo para a última e aquilo cheio de gente a ver as fotografias a vinte centímetros de distância, a fazer selfies e a perorar observações jocosas sobre corpos nus…

E não se enganem: a porcaria da fotografia que aqui está é minha, não do mestre. 

By me

1 comentário:

Anónimo disse...

Sabendo que rubrica de "discos pedidos" estão longe desta aragens...
Ainda assim gostaria de o ler a
opinar acerca do documentário
"Sal da Terra"
e exposição
"Gênesis"
Desde já grato pela sua atenção

Assíduo leitor anonimo :)