quinta-feira, 10 de julho de 2014

As grades



Há uns anos conheci uma senhora que estudava fotografia.
Por aquilo que vi dos seus trabalhos não seria alguém de deslumbrar um crítico ou editor fotográfico, mas tinha qualidade. O tempo haveria de burilar o que fazia e o seu olhar.
Encontrávamo-nos ocasionalmente e, por entre os incitamentos que lhe fazia, perguntei-lhe para que queira o curso. Tratava-se de uma já mãe de família, com uma situação material estável.
Disse-me que o seu desejo era poder ir fotografar lá longe, onde as pessoas sofrem com fome e guerra e usar essas imagens para combater essas situações.
Meritória vontade. Mas vã e ilusória.
Que a fome e o sofrimento estão aqui, ao pé da porta, com os que não têm de comer, com os que não têm como se tratar, com a violência doméstica, a excisão feminina, a exclusão social… há muito para denunciar aqui ao pé da porta sem ter que cruzar fronteiras.
Mas vã e ilusória porque não passam essas imagens nos media convencionais. A menos que as vítimas e os opressores estejam assim catalogados pelas potências económicas e políticas, essas imagens só são acessíveis nos suportes alternativos que, impressionantes e dramáticos, não dão de comer a quem as produz.
Em caso de dúvidas, veja-se o que acontece com o Iraque, com a Faixa de Gaza, com a Ucrânia, com a Birmânia.
Mas também veja-se o que nos mostram (ou não) sobre a continuada prática de mutilação genital feminina, mesmo em Portugal. Veja-se o que nos mostram (ou não) sobre os lares de acolhimento de vítimas de violência doméstica. Veja-se o que nos mostram (ou não) sobre o que acontece com o povo Machupe, na Patagónia.
 Tentei explicar-lhe isto, sem lhe tirar o entusiasmo do ofício e da missão a que se propunha.

Tempos depois, soube que andava, por cá, a fotografar eventos de adultos e crianças. Vendendo, à peça ou à colecção, aos intervenientes ou aos seus progenitores.

Os media, esses, continuam subjugados aos interesses corporativos, aos custos dos enviados especiais e ao que as agências noticiosas (agências quê?) divulgam e fazem cair nas redacções.

By me 

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