sábado, 20 de agosto de 2011

O Zippo



Vi-os desembarcar do comboio que parou do lado de lá, vindo de Lisboa. Eu estava do lado de cá, esperando um comboio que me levaria para Lisboa.
Saltaram para a linha que nos separava, com o objectivo nada discreto de tornarem a saltar para a linha seguinte e, continuando na mesma trajectória, saltarem a vedação. Mais um par que se atrevera a viajar sem pagar bilhete e que, desta forma, evitavam as cancelas automáticas que os controla e obliteram.
Quando subiram para a minha plataforma um deles embicou para o meu lado, seguido do outro. Ambos na casa dos vintes e muito poucos, o da frente tinha um ar muito sujo, segurando um saco de plástico e um pacote de sumo, a meias com um casaco leve. O outro, bem mais alto, tinha um aspecto mais normal, transportando nas costas uma volumosa e aparentemente pesada mochila. A displicência do primeiro contrastava com o ar mais tímido mas sorridente do segundo, que ia imitando o companheiro nos gestos e locais de salto.
O da frente interpela-me, segurando um meio cigarro nas mãos pretas de sujo, pedindo-me lume.
Tivesse eu dúvidas sobre o que estava a acontecer ali à minha frente, dissipar-se-iam ao ouvi-lo. O vocabulário correcto mas com um mais que acentuado sotaque romeno contavam-me a estória: este resideria por cá há já algum tempo, vivendo de expedientes como é comum a alguns (não todos) os oriundos da Roménia, e teria ido buscar o seu compatriota recém chegado às camionetas que desembarcam gente com essa origem ali para os lados da gare do Oriente.
Da legalidade da presença de ambos por estes lados da Europa não tive muitas dúvidas – nenhuma. Da simpatia também não – sempre simpáticos, todos aqueles com quem contactei, fosse qual fosse o seu nível económico.
Pois dei-lhe o lume pedido, acendendo com o meu isqueiro o meio cigarro, obtido sabe-se lá onde.
Cigarro aceso, uma palavra de agradecimento pronunciada e um sorriso estampado na cara. Não pela passa que deu, mas pelo que a havia permitido: o isqueiro.
Sorrindo ainda mais, e apontando com os dois dedos que seguravam o que ainda havia para fumar, exclama:
“Aha! Um Zippo!”
E continuando a sorrir, suponho que de satisfação de ter tido tão perto de si algo que, eventualmente, gostaria de ter para si, afastou-se, seguido do companheiro, que sorriu também para mim e ficou a observar as manobras de saltar a vedação.
Na verdade, é tão fácil satisfazer alguém que se encontra mesmo lá em baixo, no quase fundo da escala social.

Texto e imagem: by me

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