segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O photógrapho fotografado



Vagabundeando p’la cidade. O calor ainda não aperta, como se prevê para breve, portanto há que aproveitar.
E serão os rasgos de luz, se os houver; e serão os detalhes dos prédios, conhecidos de há muito, mas que sempre me surpreendem; e serão as lojas fechadas, sempre mais, sempre a aumentar uma triste e indiciadora lista…
Eis que, ao dobrar uma esquina, dou com a rua bloqueada. Pesados e bem sólidos batentes de betão que suspeito armado ocultam as extremidades de cancelas que aparentam ser de aço reforçado. Uma placa amarela indica “desvio” na sua seta, mas o descascar da tinta indica também que não será temporário. É, antes sim, surpresa para mim, que não recordo aquilo ali ver, se bem que há anos que não passe nesta rua.
A rematar a festa, e em frente à porta do edifício, dois agentes da PSP. Enquanto um deles se debruça sobre o conteúdo do ecrã do seu telemóvel, o outro não perde pitada do que acontece em redor, segurando com mão firme a pistola-metralhadora que lhe atravessa o peito.
Naturalmente que estranhei. Tanto mais que, olhando para o prédio, não vi o que quer que fosse que justificasse tamanho aparato. E sendo que a curiosidade matou o gato – neste caso quase o photógrapho metediço – avancei e questionei o armado mas simpático polícia.
Por resposta obtive… coisa nenhuma. Que se mo dissesse quebraria as regras de segurança e eles estavam ali para a manter. Ainda tentei algo do género “Então terei que perguntar na redacção de lá, onde trabalho”, mas foi inútil: Simpatia e afabilidade, sim; informações, não.
Acontece que quando me dizem “não” é quando fico com mais vontade de saber. E atravessei a rua, tomando notas num bloco do nome da rua e número da porta. Haveria de saber, de uma forma ou de outra.
A rua atravessada de novo, já na esquina oposta, com o olhar a vaguear, e dou com a coisa: lá no alto, mas na esquina, uma bandeira. De um país conhecido pela sua conflitualidade interna e externa em permanência há umas dezenas de anos e cujos serviços secretos e actuações “privadas” são dos melhores do mundo e arredores. Tudo explicado. Primava apenas, pela ausência, um carro blindado ou um par de armas peadas assestadas sobre a rua. Talvez até estivessem, discretamente, atrás das janelas.
Estava eu a pensar nisto e mais uns trocos e vejo aproximarem-se, em passo decidido, dois tipos. Trinta e poucos de idade, robustos mas não altos, máquina zero na cabeça, um deles de casaco sobre a camisa branca, sem gravata, e que mal disfarçava o que por baixo trazia. Ficou um pouco mais atrás e de lado, enquanto o outro metia conversa.
Num português péssimo, perguntou-me se falava inglês e foi assim que falámos. Como quem não quer a coisa, queria saber quem eu era, o que ali fazia, que apontamentos havia tomado, se havia fotografado o edifício…
Não gostei do ar de gorilas tostados pelo sol, mas achei graça à situação e dancei a música deles, assumindo alguma ingenuidade.
E lá lhes disse que estava de passeio, que não, que não havia fotografado a embaixada deles, qual o meu ofício… Abanaram um pouco aqui e marquei eu o ritmo da dança: se queriam ver as minhas credenciais.
“Não tenho autoridade para aqui, na rua, lhas pedir.” Disse ele.
Mas eu continuei na minha e atirei-lhe com o mágico cartão da empresa, acompanhado do BI. Sendo os hábitos o que são, ele não resistiu e perguntou-me pelo nome, que lho disse, e que idade teria aquela fotografia. Ri-me, por fora e por dentro, que ele não notou (ou fez de conta que não) que o BI está caducado faz tempo. Faltou, para que a modinha ficasse completa, fazer uma comparação de impressões digitais, consultar uma qualquer base de dados e avaliar do meu ritmo cardíaco e Ph da transpiração.
A minha paciência estava a chegar ao fim, mas a aproximação de um dos agentes da PSP amainou os ânimos. Devolveu-me os documentos, olhou de novo para mim, para o polícia e afastaram-se com uma não muito cordial saudação.
Felizmente! Diabos os levem, estamos em Lisboa, Portugal, e não num país construído com uma ocupação selvagem e militar, com o beneplácito da comunidade internacional e pago a peso de ouro (e diamantes, já agora).
A conversa com o polícia luso continuou por mais um bom quarto de hora. Não sobre política internacional ou o conceito de terrorismo, de estado ou outros, mas sobre a actualidade económica, irmanados que estamos em problemas semelhantes.
Antes de vir embora ainda vislumbrei, p’lo canto do olho, um reflexo rápido numa janela do alto. Sugestão minha, ou seria uma objectiva? Espero ter ficado bem na fotografia.

Texto e imagem: by me

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