quinta-feira, 20 de maio de 2010

Blufs


A tarde estava quente. Bem quente, comparada com a semana anterior.
Quando saí da estação de comboios e me vi sob aquele sol abrasador, a minha vontade foi correr para o outro lado da rua, onde a sombra protectora me aguardava. No entanto…
No entanto, bem centrado sobre a passadeira de peões que eu haveria de usar, estava um automóvel. Estrategicamente estacionado, já que ali a sombra também o protegia. Ao carro e ao seu ocupante que, sentado ao volante e com o motor desligado, se entretinha escrever não sei o quê nuns papeis que apoiava onde deveria estar o airbag. Saltou-me a tampa!
Estava onde não deveria estar, ainda que houve espaço livre atrás, e, ainda por cima, bem no caminho que eu queria percorrer e rapidamente. Não resisti!
Percorri a parte da passadeira de peões livre até quase embater na porta do carro. Com ar de poucos amigos, levei a minha mão direita à pala do boné, numa continência displicente, e atirei-lhe:
“Boa tarde! Não se importa de retirar o seu carro para eu passar?”
Olhou para mim como se eu fosse a encarnação do dragão de São Jorge, ou semelhante. Com o olhar esgalgado e um sorriso amarelo, disse-me:
“Com certeza!”
Ligou o motor e fez marcha-atrás, para onde havia lugar que bastasse para estacionar sem ocupar o que me era devido.
Percorri o que restava da passadeira, refugiei-me na sombra do prédio, atirei-lhe com nova saudação pseudo-militar e continuei o meu caminho.
Não vi o que fez de seguida, mas não creio que, tão cedo, se lembre de estacionar numa passadeira de peões.

Na imagem, naturalmente, não está nem a passadeira nem o carro em questão.
O que ali se pode ver é mesmo aquilo que gosto de ver e usufruir: uma passadeira de peões, livre de obstáculos e tão segura quanto pode ser.

Texto e imagem: by me

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