domingo, 13 de abril de 2008

Imagem, direito e justiça


Esta foi uma semana simultaneamente triste e alegre pelos mesmos motivos.
Por duas vezes soube que cidadãos, a título individual ou organizados, protestaram contra o que consideram a violação do seu direito à reserva da imagem.

No primeiro caso, trata-se de um homem, residente no Porto, que não gostou de ver a sua imagem publicada no boletim municipal. E recorreu aos tribunais, responsabilizando o presidente da câmara pelos factos.
A fotografia mostra-o na sua actividade de arrumador de automóveis que exerce, segundo o próprio, por ser doente e não poder trabalhar. Acrescenta ainda que não é nem nunca foi toxicodependente. E o artigo que acompanha a fotografia induz o leitor a aliar as duas condições (arrumador e toxicodependência). A fotografia foi feita sem o seu conhecimento e, consequentemente, a sua utilização sem a sua autorização.

No segundo caso, foi a DREN (Direcção Regional de Educação do Norte) que apresentou queixa contra alguns órgão de comunicação social (uma estação de televisão e alguns jornais) por terem exibido as imagens “malditas” do caso da professora, da aluna e do telemóvel na escola Carolina Micaelis. Segundo a argumentação da DREN, a queixa deve-se ao facto de as imagens terem sido exibidas sem ter havido o cuidado de preservar ou ocultar as identidades dos intervenientes.

Entristece-me saber que entidades idóneas e com responsabilidade, como um município ou órgãos de comunicação social com grande experiência e público, tenham cometido estes delitos, infracções à ética ou, se quiserem, crimes.
Deveriam ser os primeiros a respeitar em pleno os direitos dos cidadãos, que se trate do mais óbvio direito à vida quer seja dos mais subtis ou polémicos como o direito à reserva da imagem e à privacidade.
Que se os exemplos não forem dados por quem nos representa na organização da sociedade ou na divulgação e formação da opinião pública, dificilmente os cidadãos menos avisados ou informados terão o cuidado ou se sentirão na obrigação de respeitar os códigos de conduta.

Alegra-me saber que, seja qual for o estrato social, o direito à indignação e ao acesso à justiça existe e é praticado.
Que aqueles que têm uma vida humilde, de dificuldades e a raiar a indigência, ainda têm orgulho em si mesmos e dignidade suficiente para dizerem “Não quero” quando os seus direitos são violados grosseira ou subtilmente. Seja qual for o tamanho aparente de gigante que o “violador” possa ter.
E agrada-me saber que uma organização de educação decide e actua no sentido de resolver uma situação polémica, tanto no seu seio como no exterior, seja qual for a mediatização do caso. Entendendo que em local privado, como o é uma sala de aula ou todo o estabelecimento de ensino, é tão errado o recolher imagens sem autorização dos visados como a sua divulgação. Que “É tão ladrão o que vai à vinha como o que fica a ver!”, como diz o adágio popular.

Claro que estes dois casos de pedido de intervenção da justiça poderão ter outros motivos não confessos. Questões meramente materiais e de oportunidade ou ligadas a vertentes de política, partidária ou não.
Também sei que os media, como é seu hábito, tendo dado a notícia do início, não darão a do desfecho. Quer seja pelo tempo de mediará até ele, transformando-o em “velho e ressequido”, quer seja por alguma inoportunidade política na altura, quer seja pelo incómodo que qualquer um dos casos é ou será para o quarto poder todo-poderoso.

Seja como for, será bom que cada um de nós, na condição de “Objecto de registo de imagem” ou na condição de “Produtor ou recolector de imagens” pense até que ponto podemos ou devemos exigir o cumprimento do direito à reserva da imagem e até que ponto podemos ignorá-lo e divulgá-las.
Que o poder dos media (TV, imprensa, web), que não é democrático porque não é sufragado, não pode ser omnipotente nem se considerar acima dos direitos dos cidadãos.

1 comentário:

perplexo disse...

Parece-me que o caso do arrumador do Porto é ainda mais acintoso. Pareceu-me ouvi-lo contar que ele terá dito ao fotógrafo que «eu para aí não vou!» e o fotógrafo: «Ai vais, vais!» E pimba, click.
Fiquei muito orgulhoso pela atitude do arrumador!