sábado, 1 de março de 2008

“É verdade, é! Li num livro que sim!”



Esta frase ouvi-a eu, meio distraído, no autocarro a caminho de casa. A minha mente ia mais virada para o que tinha lido de manhã, no comboio em sentido inverso e a tomar balanço para retomar a leitura poucos minutos depois.
Mas o tom com que foi dito fez-me regressar de onde estava e prestar atenção ao que me cercava.
A dona da voz peremptória não tinha mais que uns doze anos, tal como as suas interlocutoras. Não fixei o assunto, que talvez não fosse importante, mas tão só a importância daquela afirmação. E a minha satisfação por a ter ouvido, vindo de quem veio.
Para aquelas mocinhas, com aquelas idades, ler algo num livro é a atribuir ao que leram a carga do sacro-santo e nega-lo pecado capital. E, tão ou mais importante, o referente naquela conversa foi um livro e não uma pagina de web ou um programa de TV. Pelo aspecto e pela idade, as tecnologias de informação não lhes serão estranhas, mas o peso da importância de um livro, aparentemente, sobrepõe-se à sabedoria virtual do ecrã fosfórico.
E isto é tanto mais satisfatório para mim quanto a leitura é um dos meus vícios e prazeres, ainda que, para minha tristeza, não lhe possa dar o tempo e atenção que gostaria. Mas sempre o vou fazendo, em pausas acompanhadas de cafeína e nicotina (cada vez mais difícil esta conjugação) ou embalado pelo trepidar das férreas rodas do quotidiano trajecto de e para a labuta.

No meu saco tenho sempre um ou dois livros, entremeados com o caderno de escrita, o tabaco de reserva, a câmara fotográfica, papeis em tempos úteis e agora não tanto e tantas outras ninharias.
Mas, apesar do peso, quando calha passar por uma livraria sempre entro e dou uma olhada. Rara é a vez que não acabo por aumentar a pilha dos que tenho por ler aqui por casa. Das pilhas, em boa verdade.
Pois um destes dias, em passado por uma das boas livrarias da cidade, não resisti e entrei, dirigindo-me de imediato à secção da fotografia. Tinha este espaço um dos maiores e mais completos catálogos na matéria. E digo “tinha” porque, gradualmente e por força da concorrência feroz das grandes superfícies e das grandes cadeias da especialidade livreira, tem vindo a decair o número de títulos que ali podemos encontrar. Mas, ainda assim, vim de lá com um novo.
Confesso que não gosto de falar de um livro sem o ter acabado. Nem sempre o início tem um tão bom fim, ou as promessas da introdução acabam por se tornar sensaboronas e insípidas. Não é o caso deste.
Escrito por Laurent Gervereau em 1996, o “Ver, compreender, analisar as imagens”, publicado nas Edições 70, Lisboa, acaba por ser um livro bem apaixonante sobre o tema, pese embora a frequentes citações e referencias a outros autores. Em qualquer dos casos, é dos mais fáceis de ler que encontrei sobre o tema sempre complexo que é a semiótica e a análise de imagens.
Sendo que tenho cerca de um terço do livro lido, e porque vem a propósito no contexto de uma discussão sobre fotografia, cito uma pequena passagem, logo na página 20:

Erwin Panofsky […] insiste na especialidade da obra de arte: “Qualquer objecto pode ser visto esteticamente, e a maioria das obras de arte pode, segundo determinado ponto de vista, ser vista como objectos práticos. Mas aquilo que distingue a obra de arte de qualquer outro objecto é o facto de ela ter a “intenção” de ser considerada esteticamente.”

Faz muito tempo que procurava uma definição de arte. Tentei eu mesmo criar uma, na falta de encontrar algo que me satisfizesse e aos meus conceitos. Falhei, claro, que “a arte e o engenho” para tal não chegaram. E eis que encontro algo de muito plausível e simples.
Talvez que contradiga o que alguns autores de renome afirmam muito sabiamente. Mas…

É verdade, é! Li num livro que sim!

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