terça-feira, 4 de junho de 2013

Boleias



Foi uma sensação estranha. Confesso que foi. A raridade das reacções foi mesmo estranha, a ponto de merecer um reparo como este.
De manhãzinha, na hora de ponta de entrada na grande cidade, a caminho de mais um dia de labuta.
Subo para o comboio e, surpresa, encontro gente conhecida e ficamos na palheta. O texto que haveria de fazer para leitores americanos fica para segundas núpcias.
Algures antes de metade do caminho, parados numa das estações, somos avisados pelo maquinista que havia uma avaria na sinalização e que teríamos que aguardar. Mau!
Eis que chega outra composição, que fica na linha do lado e que se imobiliza com o mesmo aviso. Muito mau!
Conversa com um dos revisores e ficamos a saber que a avaria é geral e que todas as linhas estão paradas. Algumas composições mesmo entre estações. Péssimo!
A chegada a tempo do início da jornada está mais que comprometida. No meu caso, consigo imaginar o granel que iria provocar nos estúdios.
Decido-me p’la alternativa possível: tomar um táxi e seguir directo. Desafio a minha companhia para vir comigo, que aceita.
Mas, entre sair da estação e chegar à praça de táxis, vou avisando quem estava à espera, quem sabe se em tão maus ou piores assados que nós, que vou para Lisboa e tenho lugar para dois. Ainda na estação, uma senhora aceita a oferta. Já na praça, uma outra também.
Fizemos a viagem, na via de entrada da cidade congestionada como de costume. E foram saindo do táxi onde possível, de acordo com o meu itinerário e os transportes alternativos que encontrámos no caminho.
Uma delas, a que já estava na praça, ofereceu-se para pagar uma parte da corrida, o que acabei por aceitar. Ao fim e ao cabo, sempre é uma corrida cara e, desta forma, ficou mais barato aos dois.
O que foi realmente raro, a ponto de merecer reparo foi:
A – Ter havido quem tivesse aceite a boleia. De todas as vezes, e muitas foram ao longo dos anos, em que assim procedi, quase sempre viajei sozinho. Não sei porquê, a desconfiança tem vindo a instalar-se e é cada vez mais raro haver quem aceite, a troco de nada, uma oferta destas;
B – Que uma das passageiras tivesse querido comparticipar. Cada vez mais há quem trate de aproveitar eventuais borlas, sem querer fazer algo em troca.

Como disse, esta prática tem, comigo, tantos anos quantos a revolução portuguesa. Por esses tempos as greves de transportes sucediam-se e o táxi foi sendo a minha alternativa. Sempre com esta oferta de boleia.
Hoje, vivendo fora da grande cidade, as corridas são bem mais caras e fujo delas. Tal como as aceitações vão rareando.
Mas, com ou sem gente que queira partilhar de uma boleia gratuita e enquanto me for possível oferecê-la, continuarei a fazê-lo.
É que, no fim de contas, os umbigos dos outros são bem mais interessantes que o meu. E há pouco que se compare com a sensação do dever cumprido.

Boleias? Darei sempre!

By me

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