sexta-feira, 3 de maio de 2013

Ao fundo




Por vezes fico a pensar se será das barbas, se do chapéu, se do azinho que trago na lapela e que muitos não sabem o que significa…
Certo é que, seja lá pelo que for, devo ter ar de padre confessor, ou psicólogo de horas vagas, ou de conselheiro avençado ou, igualmente improvável, advogado ambulante. Logo eu, agnóstico, acrata e atirador solitário.
Infelizmente, para eles, é mais que comum ser abordado por pessoas que mal conheço que não do comboio, da vizinhança ou até do trabalho, em busca de soluções para problemas pessoais. Por vezes, apenas em busca de um ouvido que oiça, que é igualmente importante.
Conheço esta senhora de um dos cafés de uma estação de caminho de ferro que frequento assiduamente. Algumas larachas bem secas, como a do café sem manteiga, têm quebrado o gelo. E, sendo que vivemos no mesmo bairro, já aconteceu partilharmos o mesmo comboio de regresso. Por vezes apenas com um aceno de cabeça de reconhecimento à distância, outras com conversas de circunstância: o tempo, as greves na CP, etc.
Há uns tempos, e numa dessas partilhas de bancos, contou-me ela os problemas que estava a ter no trabalho: atrasos no pagamento de salários (vários meses), respostas inapropriadas por parte do patrão, discriminação entre trabalhadores na forma de ir repondo o que estava em atraso… E, com este desabafo, o correspondente rol de problemas, como as contas por pagar, o pedir ajuda a familiares e amigos, o não ter como encarar alguns comerciantes do bairro…
O assunto foi recorrente em mais duas ocasiões em que nos cruzamos. Na última, já ela me perguntava quase em desespero, o que haveria de fazer, acompanhada pelo olhar igualmente desconfortável, da filha, na casa dos vinte e poucos.
Sugeri-lhe o apoio sindical, tanto para aconselhamento legal como para eventuais acções a tomar. Infelizmente, ela pertence àquele cada vez maior grupo de cidadãos que se foi afastando dos sindicatos, por este ou aquele motivo, e nem sequer sabia qual a que poderia pertencer ou como a ele aceder. Lá lhe dei umas dicas, chegando mesmo a procurar, já em casa, onde e quais contactos, que anotei para lhos dar mais tarde, se nos encontrássemos.
Não nos encontrámos! Nem no comboio, nem no bairro, nem sequer de um lado e do outro do balcão.
Em passando por onde a via, tenho espreitado e já por lá não está. E fiquei sem saber como a história terminou, se é que terminou.

Casos como este pululam p’lo país: gente que deixa de pagar salários, gente que deixa de receber salários, vidas que se vão esboroando ao ritmo implacável de decisões políticas inimputáveis.
Bom seria que esta fosse uma história ímpar: nas relações laborais, nas ausências de pagamentos, na ignorância de soluções, na necessidade de apoio de quase desconhecidos.
Infelizmente não é!
Bem para além daquilo que as pantalhas nos contam, com os seus índices e gráficos coloridos, já não tenho dedos para contar as que desta ou de forma equivalente me chegaram aos ouvidos. E cada vez menos sei que respostas ou apoios dar que não um nico de bom-senso (como se servisse para alguma coisa).
Os túneis estão por aí, com mais ou menos luz lá ao fundo. Mas se as alegorias, as promessas e os discursos e comentários políticos servissem para alguma coisa, há muito que não teríamos problemas e eu mesmo deixaria de ouvir o carpir de mágoas e dificuldades.

By me 

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