sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Ouvindo e pensando




Ao mesmo tempo que espreito p’la janela, tentando fazer futurologia sobre como virá a ser o dia, fico a saber p’la pantalha que no parlamento decorrerá o debate quinzenal entre o governo e os deputados.
O serviço público de televisão passa por isto, sem sombra de dúvida, que saber o que dizem e pensam (ou pensam mas não dizem ou não pensam o que dizem) governantes e representantes do povo é importante.
E fico eu a pensar como é possível haver tanta hipocrisia e masturbação ideológica num espaço pago por todos nós e por pessoas cujos elevados salários são pagos por todos nós. E que todo esse espectáculo deprimente e Kafkaniano se mantenha com uma regularidade diária ou semanal sem que o povo faça o que quer que seja para estancar esta sangria que jorra de uma chaga que não cicatriza.
E, enquanto espreito p’la janela e a minha mente divaga pessimisticamente, recordo Saramago e um dos seus poemas:


OUVINDO BEETHOVEN

”Venham leis e homens de balanças,
mandamentos d'aquém e além mundo.
Venham ordens decretos e vinganças,
desça em nós o juiz até ao fundo.

Nos cruzamentos todos da cidade
a luz vermelha brilhe inquisidora,
risquem no chão os dentes da vaidade
e mandem que os lavemos a vassoura.

A quantas mãos existam peçam dedos
para sujar nas fichas dos arquivos.
Não respeitem mistérios nem segredos
que é natural os homens serem esquivos.

Ponham livros de ponto em toda a parte
relógios a marcar a hora exacta.
Não aceitem nem queiram outra arte
que a proeza do registo o verso acta.

Mas quando nos julgarem bem seguros,
cercados de bastões e fortalezas
hão-de ruir em estrondo os altos muros
e chegará o dia das surpresas.”

By me

Sem comentários: