domingo, 10 de fevereiro de 2013

Aviso




Já fui criminoso à face da lei.
Nos meus tempos de estudante liceal escrevi, imprimi e distribui panfletos clandestinos contra a guerra colonial, numa época em que tal actividade daria direito a prisão, interrogatório e o que mais houvesse nos manuais da polícia política. Para mim e para meus pais, que sendo eu menor de idade, eles não escapariam ao crivo da PIDE.
Foi um jogo de gato e rato, perigoso, mas que não me impediu, e aos que comigo o faziam, de dizer o que pensávamos.
Já fui um subversivo semi-clandestino.
Nos primeiros anos da minha actividade profissional, e já depois da revolução, fiz parte do núcleo duro de um jornal operário. Edição, redacção, distribuição. Os processos forçosamente primários de impressão da época não permitiam ilustrações que não em desenho, pelo que a fotografia não era usada. Distribuído entre os companheiros da empresa, tanto da área de produção como da área de serviços e administrativos, quase todos sabiam de onde vinham aquelas folhas policopiadas e alguns vinham mesmo colaborar com os seus escritos e denúncias.
Nunca fui alvo de sanções, legais ou não, por via disso. Pelo menos assumidamente como tal, que das outras…
Fui mantendo jornais de parede, na acepção real da palavra, com textos e imagens. Mais acutilantes ou mais humorísticos, a denúncia e o incentivo ao não conformismo, laboral ou social, os panfletos afixados duravam o tempo de os censores não assumidos por eles darem e os retirarem. Entenda-se que a definição de “censores” não se restringe ao poder instituído ou a cadeias hierárquicas. Alguns eram os companheiros pseudo-fraternos que connosco ombreavam e eram alvo dos temas em denúncia.
Fui admoestado algumas vezes, e sempre longe de ouvidos de terceiros, para me “calar”. Nunca o fiz e fui pagando, ao longo dos anos, o respectivo preço.
Nunca o achei demasiadamente caro.
As redes de informação abriram caminhos mais fáceis ao panfletismo de contestação e intervenção social. Com mais ou menos sucesso nas consequências do passar mensagem, desde o século passado que o venho fazendo. Franco-atirador, desligado de organizações políticas ou laborais, tenho recebido alguns avisos de contenção. Uns mais explícitos e assumidos, outros usando do anonimato que a web permite, uns mais suaves, outros não tanto.
Nunca o conseguiram.
Garanto que não é agora, depois de quase velho, que vou deixar de parte aquilo que entendo ser a liberdade de expressão e o direito a exercê-la. Nem a obrigação de intervir na sociedade em que existo. E não serão normativos despóticos, escritos ou sugeridos ao ouvido, que me farão parar.
Talvez que tenha que adaptar as técnicas de escrita, de imagem e de divulgação, talvez que recorra ao que pensava ser passado enterrado – clandestinidade –, talvez que me apresentem facturas pesadas. Mas calar-me não.
E é a ti, e a ti e a ti, que sei que me vão fazendo o favor de me ir lendo e vendo e que já disso deram provas, que deixo o aviso: contem comigo para continuar a não deixar passar em silêncio o que vão fazendo.

By me 

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