terça-feira, 20 de maio de 2008

Prioridades


Chuva! Aquela chuva que molha tolos quando eu estou em casa e que nem faz estar confortável na rua nem faz apetecer abrir o chapéu. Vagueava pela vila de Sintra, de olhos abertos, como convém a um fotógrafo, que é um voyer por natureza.
Eis que dou com algo de invulgar: numa montra de uma perfumaria, algo está a mexer onde não devia. Ainda que cego de um olho, o outro deu pela situação e aproximo-me.
Tratava-se de uma borboleta, mal nascida com certeza, que com este tempo não voará muito. Em qualquer dos casos, está do lado de dentro e não entende como não consegue sair, que o vidro lhe é algo de estranho. Claro que não sabe que, com esta chuvinha, a água lhe encharcará as asas e deixará de poder voar rapidamente. Mas continua a tentar, quase que para além das suas forças.
Borrifei-me para os borrifos que me caíam em cima e atravessei a rua para um abrigo de um toldo de uma pastelaria. Abri o saco, tirei a câmara e voltei a atravessar a rua (é fácil, nesta, que não tem trânsito automóvel!)
Sob o olhar meio estranho das empregadas dos perfumes e aromas lá dentro, lá fiz umas quantas fotografias da pobre borboleta, enquanto ia, mentalmente, contando o tempo que poderia estar sob aquela aguadilha antes de esta começar a ser em demasia para o equipamento. Regressei ao abrigo e tratei de limpar corpo e objectiva das gotas que a ornavam.
Enquanto o fazia, um olho em baixo e o mesmo olhando em redor, que o espírito da “caça” estava aceso. E dou com uma mulher que se aproximava pela rua fora. Àquela distância parecia agradável à vista, e fiquei a aguardar que chegasse mais perto para o confirmar.
Eis que pára, sem guarda-chuva e, sob esta, observa-se num espelhinho de bolsinha. Compõe as sobrancelhas, a franja, verifica o baton dos lábios e segue para uma porta, onde entra.
Não abri a boca, que dela pendia um cigarro, mas o espanto era evidente. Sob a chuva a compor a figura!? E para onde iria? A que se iria dedicar em que o aspecto da cara fosse mais importante que o cabelo e o casaco molhados? Claro que fui ver em que porta tinha entrado! Um banco.
Àquela hora, ainda não seriam 15.30 – hora de fechar – e com a pressa e preocupação com o seu aspecto, apenas poderia ir tratar de um qualquer negócio onde estaria a pedir algum crédito, ou tratar da renegociação do crédito à habitação, que anda bem mal parado, como sabemos. Pela certa que não iria fazer um simples levantamento ou depósito.
Acredito que a impressão que quisesse criar no seu interlocutor justificasse água no cabelo e na roupa, mas nunca, nunca mesmo, uma maquiagem desalinhada.
Entretanto, a borboleta lá tentava sair daquela prisão de vidro, sem saber que essa liberdade desejada significaria a sua morte a curto prazo.
Prioridades!


Texto e imagem: by me

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