terça-feira, 20 de maio de 2008

Iscas


Nada tenho contra os migrantes. São tão bons ou tão maus como quaisquer outros e a única coisa que os diferencia dos demais é o seu desenraizamento. Procuram noutras terras que não as suas uma eventual melhoria de vida, para ficarem ou para amealharem e regressarem.
Nós por cá já fomos fornecedores de mão de obra barata um pouco por todo o mundo – Europas, Américas, Oceanias… Ao que parece, e apesar de acharmos que a vida aqui não é grande coisa, ainda assim consegue ser um semi-paraíso para aqueles que têm, por lá, piores condições. Quer se trate de segurança ou mesmo o simples acto de comer.
E vamo-los vendo, em tudo quanto é sítio, nas mais diversas ocupações e com as mais díspares origens. Comum mesmo é ver eles e elas no comércio, na restauração, na construção, trabalhos em regra mal pagos e com um futuro incerto, bem “aproveitados” por empregadores não muito escrupulosos. E já não estranhamos se entramos num restaurante italiano e ouvimos falar com sotaque de Vera Cruz, ou se entramos para comprar uma revista e vemos do outro lado alguém a ler em cirilico. Para já não falarmos nos andaimes, que mais parecem conferencias da Nações Unidas.

Ainda assim, consigo ser surpreendido com algumas discrepâncias:
Num quiosque de uma zona turística por excelência (o castelo da Lisboa) quem me serve a bica e a amêndoa amarga tem tez e sotaque que em nada se relaciona com terras lusas.
Num restaurante chamado “Sabores de Lisboa”, todos os que ali trabalham são nados e criados algures do outro lado do atlântico;
Mas o que me faz mesmo sorrir, ou nem isso, é que os calceteiros que estão a recuperar o jardim da Estrela (alvo de intervenções de fundo) são todos de origem brasileira. E não nos enganemos: o que estão a fazer é a colocação da chamada “calçada portuguesa”. E posso garantir que o que vi fazer é mesmo bem feito e, aparentemente, duradouro. Estes poucos que ali vi de cócoras, em regressando ao seu país de origem, levam um conhecimento que, ao que sei, é muito bem pago, assim haja quem o queira aplicar.

Salvou-me o dia dos migrantes em actividades Lusas, o almoço.
No centro da cidade, numa zona onde os passantes são “atacados” pelos angariadores de comensais, o Restaurante “João do Grão” mantém os mesmos empregados faz muitos anos. E mantém igualmente a ementa tradicional, contra ventos e marés.
É ali sempre possível encontrar o bem nosso Bacalhau com Grão ou, para quem quiser, uma dose individual de grão de bico. Como optei por estas iscas, não tive coragem de lhes pedir o petisco.
Mas não perdem pela demora. Da próxima vez que for ali para os lados da rua dos Correeiros, junto à praça da Figueira, lá estarei. Para uma meia desfeita, umas iscas, um cozido, se for dia disso, ou qualquer outro prato cá dos nossos.

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