segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Sociedade e sua organização




Em tempos era assim, não sei se ainda será.
Os tripulantes das traineiras que pescavam na costa portuguesa recebiam um valor base mensal e uma percentagem sobre a venda do pescado na lota.
Esta percentagem variava consoante a função a bordo, do mestre maquinista ao mestre das argolas, passando pelo mestre da embarcação.
No entanto, havia, e espero que ainda haja, quem receba uma percentagem apesar de não sair com a traineira.
Eram idosos que, fazendo parte do conjunto do navio, já não tinham o vigor necessário para a dura faina da pesca. Ficavam em terra e eram os responsáveis pela manutenção das artes, redes ou armadilhas, fazendo as reparações necessárias.
Para além da imprescindível função, tratava-se de uma forma de manter activo e útil na sociedade os mais velhos, tirando partido da sua experiência e permitindo o ganha-pão.
A solidariedade ancestral da sociedade não se baseia na “caridade” para com os mais necessitados. Não era o depósito de velhos, supostamente inúteis e arrumados longe da lufa-lufa dos afazeres.
Os mais idosos, apesar de menor vigor físico, têm uma mais-valia que os mais novos não têm: experiência. Podem ser e são tão ou mais uteis que os mais novos, evitando os erros naturais dos entusiasmos, freando os ímpetos de quem quer um “lugar ao sol” e transmitindo conhecimentos que, as mais das vezes, não se aprendem nas escolas e manuais.
E a sociedade, aos tê-los no activo adaptado às suas capacidades, evita pesos-mortos e mantém-nos integrados no tecido social, fazendo com eles, os mais velhos, não se sintam inúteis ou a mais.
Uma sociedade bem organizada tira partido de todos os seus elementos, ajustando os resultados às suas capacidades.
Como se tudo isto não bastasse, a responsabilidade dos mais novos pelos mais velhos é idêntica à dos mais velhos pelos mais novos, quando estes são incapazes de prover ao seu sustento.
E, a este respeito, recordo ainda um episódio a que assisti há anos, numa pequena praia alentejana.
A pesca fazia-se em pequenas chatas, de um ou dois pescadores, que chegavam à vez ao minúsculo areal rodeado de falésias. A lota só acontecia quando todos estavam presentes, para dar oportunidades iguais a todas as embarcações e pescadores. Os preços aconteciam perante o pescado da noite e não em função do primeiro ou do último que chegasse.
Se a sociedade moderna, industrial, de consumo e de comunicação, viciada em competição e mais-valias, aprendesse com quem é realmente solidário e dá valor a todos os elementos da sociedade…



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