quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Lisboa viva




No metro, semi-apinhado, vagou um lugar sentado. A pouco mais de meio passo de mim.
A menos de três bancos de distância, a dondoca de uns oitenta e muitos quilos, cabelo armado e volumosa carteira dependurada da curva do braço, filou-o com o olhar. E sem mais delongas, investiu.
Um primeiro encontrão violento, bem sucedido, e avançou um pouco menos de um metro. Sem uma palavra prévia ou posterior. Um segundo encontrão equivalente noutro incauto, e andou mais meio metro. Também em silêncio. Um terceiro encontrão e o mesmo resultado. Sem pedidos de desculpa ou quejandos.
Faltava-lhe, coitada, um quarto encontrão. Em mim. Logo em mim. Que me havia apercebido de tudo.
Melhorei o equilíbrio nos pés, incrementei a firmeza com que me segurava, e aguardei o embate com o braço esquerdo preparado. Não me afectou nem num milímetro. Nem dei sinais de me ter apercebido.
Repetiu a proeza, desta feita com redobrado ímpeto. E acusei o embate.
Olhando para ela com ar de espanto, soltei um sonoro “Então!?”, que se espalhou em redor, acima do ruído de fundo da carruagem em movimento.
Respondeu com o maior dos desplantes: “Está ali um lugar vago!”
Olhei para onde indicava com o seu queixo proeminente, olhei-a de volta nos olhos, e retorqui candidamente: “Tem razão, não me havia apercebido. Obrigado.”
E, lestamente, sentei-me.
Se o olhar que me lançou matasse, eu estaria agora na morgue.
Mas os olhares divertidos que me deitaram as vítimas anteriores compensaram tudo, incluindo os embates recebidos.



By me

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