sábado, 26 de dezembro de 2015

Um almoço de natal



Vi-os à distância, por entre os parcos arbustos do jardim por onde caminhava.
E eles também me haviam visto, pelo menos um deles. Que, sentado no banco, me apontava a dedo e dizia algo para os outros, que se riam a bom rir.
Quando passei por perto esse, de barrete de lã preto na cabeça, chamou-me. E quis que confirmasse junto dos demais que eu o havia fotografado, e à mulher, há uns anos e na outra ponta do jardim.
Não me recordava eu da fotografia em concreto, mas considerando o local e o descrito, as probabilidades eram elevadas e concordei. E fiquei de a procurar nos arquivos, de a imprimir e levar um destes dias. Amanhã, queria ele.
E, enquanto terminava o seu almoço – bacalhau, couves e ovo cozido, comidos de uma embalagem de alumínio com um garfo de plástico – os seus companheiros faziam questão de evidenciar a garrafa de vinho que, de pé no chão, já ia em mais de meio.
Afastei-me fazendo questão que este almoço especial, num dia especial, acontecesse entre companheiros de sorte ou infortúnio, pese embora a total ausência de privacidade de um banco de jardim.
Quando o meu deambular me trouxe de volta, ingerido que fora o café raro de encontrar nesse dia, abordou-me de novo.
E contou-me que era o engraxador ali do portão, que a reforma vai chegar em Janeiro e que, com esses cinco mil euros vai poder, finalmente, visitar a família na Madeira. Que o que por cá ganhava entre o varrer as ruas, carregar lixo e engraxar sapatos nunca deram para muito. Mas que agora, depois do falecimento da mulher, tudo se torna mais fácil. Ou mais difícil.
E entre o bom e mau humor, vindos directos do gargalo da garrafa, fez questão de ser fotografado com os companheiros, que dele se riam a bom rir mas que o acompanharam na função. Até porque, neste dia especial, as roupas estavam limpas, os cabelos lavados e as barbas feitas.
Ficou-me o encargo de imprimir e levar as fotografias.
Que, espero, não contassem vê-las aqui.
Se por outro motivo não fosse, a privacidade de uma festa e almoço de natal, comido e bebido num banco de jardim, é para manter a todo o custo.

Ficam, em alternativa, com a imagem de alguns que no final desse dia tinham uma casa normal, e não um qualquer vão de escada, a que regressar.

By me

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