Um destes dias, em
tendo acabado de ler o livro que tinha entre mãos para as idas e regressos do
trabalho, coloquei-o na estante e tentei escolher um outro. De entre os lidos e
os não lidos.
Não me apeteceu
grandes leituras, pelo que optei, como dizem os mais pequenotes, por um com
bonecos: uma colectânea de fotografias.
As colectâneas de
fotografias, sejam organizadas por autores, geografia, temas abordados ou história,
têm sempre a desvantagem de serem o resultado da opinião de quem as faz.
Não sendo possível
incluir todos os trabalhos relativos ao assunto ou tema, pelas razões lógicas
de espaço, a escolha recairá sempre sobre o que o autor da obra entende por ser
representativo. E do seu gosto, também.
Mas também têm a
vantagem de permitir a quem as vê aceder a trabalhos que, de outra forma,
seriam confusos e difíceis de conhecer. Pela raridade e pela dispersão das
obras exibidas ou referências.
Por outro lado,
quando falamos ou pensamos em fotografia e na sua história e evolução, pensamos
quase sempre em termos de Europa e América do Norte, com fugazes passagens pela
Rússia e extremo Oriente. Como se o resto do mundo não tivesse fotógrafos,
alguns de grande qualidade.
E não é fácil
aceder a estes trabalhos, que livros sobre fotografia e sobre os autores das
zonas menos divulgadas são raros.
Por tudo isto,
quando há uns anos encontrei uma colectânea de fotógrafos da América Latina,
organizada sob o ponto de vista de países e autores, entendi ser um achado e
comprei-o.
Foi essa colectânea
que saiu de casa comigo nesse dia.
Já no trabalho,
encontrei uma colega que se interessa, e para além das obrigações
profissionais, sobre as diversas vertentes das artes visuais, fotografia incluída.
E tratei de lhe mostrar o livro.
No fim de contas e
tal como a fotografia, um livro que não seja visto de pouco servirá.
Pois ela “deu-lhe
uma voltinha”, vendo as fotografias e lendo, na diagonal, os pequenos textos em
jeito de legenda, que as acompanham.
Passada quase uma
hora, que o trabalho nesse dia isso permitia, devolveu-mo com um comentário
breve:
“Não gosto!”
Se sequer parar
para considerar os contextos históricos, culturais e económicos dos autores ou
países representados.
Ora batatas!
Se nós só nos relacionarmos
e conhecermos aquilo de que gostamos, ignorando o que não gostamos, estamos a
fechar os olhos e a alma a uma grande parte do mundo criativo, impedindo a
nossa própria evolução. E isto é tanto mais verdade quanto que recusamos
conhecer seja trabalho pessoal e criativo.
Nesta obra em
particular há fotografias de que não gosto. Pouco me dizem, tanto do ponto de
vista material como humano ou estético. Mas todas elas – estas e todas as
outras que não conheço – me mostram um mundo menos conhecido visto pelos olhos
de quem o viveu e não dos “curiosos” com as suas reportagens. É uma visão de um
continente visto de dentro, com todas as afectividades e perspectivas que isso
implica. Conhecer isso é alargar os nossos próprios horizontes, é ir mais longe
no que sabemos de nós mesmos e ser capaz de perceber que os nossos estereotipos
e preconceitos afinal não são tão sólidos e definitivos. É ganhar pistas para o
nosso próprio trabalho e evolução.
No caso desta
minha colega, não creio que adiante muito voltar a mostrar-lhe livros. Com ou
sem bonecos.
A imagem exibida é
de Enrique Bostelman (1939-2003, México), incluída na colectânea referida.
By me
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