Para ser rigoroso,
este episódio aconteceu e foi escrito e fotografado há exactamente quatro anos
menos uns dias, e aqui transcrito sem alterações. Em Lisboa.
---------
Juntámo-nos os
três no autocarro: o seu motorista, eu mesmo, com a sacola às costas e a câmara
no ombro e a freira de cinzento, que comigo subiu. O resto… o resto era uma
imensidão de bancos vazios, que p’las duas e pouco da tarde de natal poucos são
o que andam de autocarro.
Ao subirmos,
avisou-nos o motorista com bonomia que tivéssemos atenção, pois que o fazer
sinal de paragem ao autocarro, com ele tão perto, não é garantia que seja visto
a tempo e que pare.
Pedi desculpa e
agradeci, pois tinha sido o caso, e segui para o fundo. Mas a boa da freira,
que se sentou no banco junto à porta, é que não esteve pelos ajustes e
protestou, afirmando com veemência que tinha-o feito com antecedência.
“Temos discussão”,
pensei. “O melhor é ir pôr água na fervura!” E regressei para junto da porta da
frente, ficando a meia distância entre quem conduzia e quem era conduzido, o
primeiro com bom-humor, a segunda deixando escapar entre-dentes um conjunto de
protestos contra tudo e todos, pouco consentâneo com as vestes e o terço que
trazia na mão.
E fomos palrando,
eu e o motorista da Carris, que me parecia que, mais que sinais visíveis,
queria ele era quebrar a solidão de uma autocarro vazio.
Da visibilidade
dos sinais dos passageiros à visibilidade das bandeiras dos autocarros,
passando por carreiras mais ou menos movimentadas nestes dias, houve de tudo um
pouco.
Mas a maior
preocupação dele era, sendo novato nesta linha, nesta tarde de natal onde
poderia almoçar no local de terminus da carreira, ali ao Calvário.
Dei-lhe uma ou
duas sugestões, sem garantias de estarem abertos neste dia, e terminei
alvitrando que na esquadra de polícia, mesmo pertinho da paragem, haveriam de
saber.
Desci ao cimo da
Alvares Cabral, com a esperança de poder tomar um café na esplanada do Jardim da
Estrela. Dos votos de “Boas Festas” com que me despedi, ouvi dele um
“Igualmente”. Da freira, cinzentona por fora e por dentro, nada ouvi que não o
seu resmungo que não sei se oração. Espero que tenha ido encontrar conforto e
bom-humor onde quer que tenha ido. E que não tenha azedado por antecipação o
almoço daquele simpático e bonacheirão motorista da Carris.
Um daqueles que,
nestes dias, estão a trabalhar e de quem nem notamos a presença.
------
Em modo de conclusão,
posso acrescentar que passado algum tempo e nas virtualidades da net, acabei
por chegar à fala com este mesmo motorista de autocarro que me disse que tinha
encontrado aberto um local simpático e económico para almoçar.
Da freira nunca
mais soube nada.
By me
Sem comentários:
Enviar um comentário