Um
dos atributos do ser humano, enquanto ser vivo, e considerado o mais positivo,
é, simultaneamente, um dos que o mais prejudica: a capacidade de comunicar
elaboradamente!
Esta
comunicação (efémera se falada ou gestual, permanente se materializada por
símbolos ou formas), ao fazer expressar pensamentos igualmente elaborados,
permite-nos criar o conceito de Bem e de Mal, de Verdade e de Falsidade.
E
desde que estes aspectos se tornaram evidentes e importantes na actividade
humana, tentaram-se encontrar formas de dar credibilidade à comunicação,
definindo verdade e mentira, aplaudindo uma, censurando a outra.
O
conceito de honra é uma dessas formas, onde não apenas se cumpre e faz cumprir
códigos de conduta rigorosos, como se afirma por verdadeira cada afirmação
emanada de um homem honrado. A falta de honra ou o apodo de mentiroso é dos
piores estigmas que a sociedade pode impor ao indivíduo.
Esta
necessidade da verdade é tão grande que os tribunais, criados para apurar a
verdade e corrigir as injustiças ou actos delituosos, o falar verdade é vital.
É um estereotipo do cinema norte-americano o jurar-se em julgamento “Falar a
verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade”. E remata-se isto com o
testemunho de “Deus”, que é o último refúgio da verdade inquestionável, mas
igualmente não demonstrável.
Será
curioso de ver como serei tratado um dia que tenha que prestar testemunho num
desses tribunais, eu que sou agnóstico.
A
afirmação da verdade é vital para o ser humano que usa testemunhos, exemplos,
demonstrações, como eu estou agora aqui mesmo a fazer com estas linhas.
A
verdade ou credibilidade da comunicação é, assim, a pedra de toque da sociedade
e, em quebrando-se, desmorona-a.
Confrontado
com alguma forma de comunicação, o Homem procura, em primeiro lugar, saber da
sua credibilidade. Quer se trate de verbalização, escrita ou iconografismo.
Claro
está que ninguém põe em causa uma pintura. Presume-se que ela, e o seu autor,
não pretendem ser verdadeiros ou falsos. São um conjunto de símbolos cuja
veracidade não importa.
Já
com a escrita o mesmo não se passa. Ou bem que pensamos “Isto é credível” ou
então “Isto é faz-de-conta”. Presume-se que num jornal não se encontram
falsidades, mas definimos outras formas de escrita como “ficção”. E, se por
acaso, se constata que num jornal constam falsidades, é um “Ai Jesus”, com
acusações recíprocas e recurso aos tribunais para repor a verdade. E a
credibilidade do jornal vai por água abaixo.
Na
7ª arte – o cinema - e no seu sucedâneo – a televisão – existem três categorias
de credibilidade: o que é inquestionavelmente verdade (informação), o que é
indubitavelmente ficção (séries, filmes, novelas, etc) e o que, sendo verdade,
usa palavras ou imagens falsas (documentários). Ninguém acredita que um
cineasta esteja anos a fio a filmar um leão em África para contar a sua
história. Acredita-se que eles vivem daquela forma mas sabe-se que as imagens e
as palavras são falsas. É um terreno pantanoso, este.
Com
o surgimento da fotografia, no século XIX, supôs-se que a questão do
“verdadeiro” e do “falso” pudesse ser resolvida.
Não
sendo objecto de intervenção humana, mas tão-somente usando processos naturais
e científicos, a imagem fotográfica assumiu contornos de “indesmentível”.
Expressões como “Para mais tarde recordar” ou “ O fotógrafo estava lá” são
disso exemplo.
Pelo
menos no pensar do comum do cidadão. Porque cedo a justiça e os tribunais se
aperceberam da possibilidade de manipulação ou falsificação da fotografia,
apresentando imagens que não correspondiam à “verdade”, e recusaram-se a
aceitá-la como prova para o apuramento da verdade colectiva.
Apesar
desta desconfiança da justiça em relação à veracidade da fotografia,
continuámos a dar-lhe o benefício da dúvida. Pelo menos em parte, dependendo do
contexto onde ela se insere.
Presumimos
como sendo verdadeiro testemunho da verdade se inserida num periódico em que
acreditamos ou ao qual não atribuímos a possibilidade de nos mentir. Tanto
assim é que os jornalistas ou empresários da comunicação quase não dispensam a
utilização da fotografia para dar reforço e credibilidade aos textos e
mensagens impressas.
Mas
pomos essa credibilidade ou veracidade da fotografia em causa quando são usadas
em publicidade ou exibidas numa galeria de arte. Das primeiras porque os
publicitários não primam por “falar verdade, toda a verdade e nada mais que a
verdade”, pelo que o seu trabalho, fotografia incluída, podem e devem ser
postas em causa. Das segundas, penduradas numa parede de uma galeria de arte ou
publicadas em livros ou revistas conexos, ficamos na dúvida. Se a imagem com
que somos confrontados é semelhante à nossa própria experiência, aceitamo-la
como verídica; se a achamos ou ao seu conteúdo como estranhas ou dissonantes
com as nossas próprias verdades, interpretamo-las como falsas. Mas não nos
incomoda, porque numa galeria de arte não esperamos encontrar a “Verdade” mas
tão só a expressão do autor, que se pode deixar levar pela imaginação ou fantasia
e criar uma “Verdade” que só existe no seu íntimo. E nós, público,
entendemo-las como tal.
No
uso quotidiano do cidadão comum, amador fotográfico ou nem isso, a fotografia
foi sempre considerada como um testemunho verídico e credível. As fotografias
de férias e passeios, das festas de anos, de grupo ou de família, as feitas na
bancada do estádio ou perante um acidente ou catástrofe não são (ou não eram)
postas em causa.
O
facto do fotógrafo amador não dominar as técnicas “complexas” da fotografia, de
apontar e disparar, deixando o resto ao cuidado de laboratórios insuspeitos,
dão um carácter de veracidade às imagens que ele produz.
Mas
se o fotógrafo é já considerado como conhecedor das técnicas fotoquímicas, já
os amigos e familiares, ao olharem para uma fotografia menos comum ou mais
surpreendente, perguntam “Isto foi mesmo assim?” ou afirma “Isto tem truque!”
Com
o advento da fotografia digital e a facilidade da manipulação e de acesso às
ferramentas de tratamento de imagem, a questão da fiabilidade, veracidade ou
honestidade da fotografia está cada vez mais posta em causa.
Até
mesmo uma inocente fotografia de um pôr-do-sol ou de um salto meio acrobático
do rebento é questionável, ouvindo-se quase pela certa “Isto foi montagem?” ou
“Usaste o photoshop?”
É
assim que a fotografia vai rapidamente perdendo o seu carácter de documento
fiel (que em boa verdade nunca o foi) e ganhando o seu verdadeiro estatuto de
forma de expressão pessoal.
E,
com este estatuto, a sua credibilidade é tanto maior ou menor quanto esse
atributo é dado pelo seu autor ou exibidor e pelo seu público ou receptor. A
honorabilidade da fotografia é tão variável quanto o ser humano, enquanto ser
comunicante.
A
questão põe-se, então, se se espera que a comunicação seja verdade ou mentira e
no grau de credibilidade que damos ao eu autor.
Ou,
por outras palavras, se se espera que uma fotografia seja ou não verdadeira.
Da
mesma forma que espero que um documento científico ou uma notícia de jornal
sejam verídicos, não espero que o “Memorial do convento” de José Saramago ou
“Os lusíadas” de Luís de Camões sejam verídicos. Ainda que ambos se baseiem em
factos reais, aceito que num romance ou poema o autor dê asas à imaginação.
De
igual forma, espero que as fotografias publicadas ou exibidas como sendo ícones
de uma realidade, (num jornal, revista ou livro) e apresentadas como tal, o
sejam, já não o espero de fotografias cujo objectivo explícito ou implícito
seja a expressão de sentimentos do autor, interpretações não de uma verdade
factual mas antes sentida.
Assim,
o atributo de verdadeiro ou falso dado a uma fotografia ou imagem, depende da
cumplicidade, de um entendimento prévio entre quem faz e quem vê.
E
se o autor ou exibidor não a afirma como verdadeira e se o público não a recebe
como verdade, pouco importante é que o seja ou não.
Ser
ou não ser, neste caso, não é a questão!
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