quarta-feira, 13 de março de 2024

Sangacho




Entro na loja e já lá estão três clientes: um a ser atendido, os outros à espera da sua vez.
Já ali não entrava há uns tempos valentes e entretive-me a observar o que ali estava e acontecia: o caixeiro a atender os clientes no balcão principal, num balcão estilo mesa uma jovem senhora ia embalando com papel as latas brilhantes, atrás dela, e com um postigo de vidro de correr, um escritório cuja cadeira de madeira rotativa, àquela distância, rivalizava comigo em idade.
Os clientes não eram portugueses nem se exprimiam em português. Pior: não sabiam bem o que queriam e iam perguntando, apontando no mostruário, o que seria este ou aquele conteúdo da lata e que tipo de sabor ou nível de picante. Entre cada resposta ponderavam, em silêncio, a que as informações recebidas corresponderiam no palato e no respectivo agrado.
O caixeiro, volumoso, agia com a mesma velocidade: quase nada, como se cada gesto seu, para além de um frete, fosse um sofrimento atroz.
Tentando matar o tempo, meti conversa com a jovem, perguntando-lhe quantas latas embalava por dia.
“Não sei, mas são muitas. Depende das necessidades.” Fiquei na mesma.
Ainda tive oportunidade de ver a chegada de uma terceira pessoa, acompanhada por um canito, que foi pendurar o casaco nas costas da cadeira do escritório. Os que os outros emanavam de enfado, este tinha de satisfação e energia. Talvez por ter estado ausente o tempo que canito pediu, quem sabe?
Quando chegou a minha vez pedi com exactidão o que queria: seis latas destas, artigo raro de encontrar noutro local e que me tinham levado ali, bem como duas de outras cujo conteúdo há muito que não provava e de que sou guloso.
O sorriso do caixeiro surgiu de onde estava escondido e entrou em velocidade de cruzeiro habitual no comércio, desenvolto e determinado.
Com a minha mania de querer saber coisas, perguntei-lhe se estaria a sorrir por eu saber o que queria e não estar cheio de perguntas.
“Também”, respondeu-me. “Mas principalmente por falar em português. É o primeiro hoje, e são cinco da tarde.”
Paguei, tendo direito a desconto de dez por cento só porque sim, e saí agradecendo, ansioso por um cigarro, que a espera fora longa.
Cá fora ainda dei dois dedos de conversa com o dono do casaco na cadeira, tal como eu a fumar, e fiquei a saber qual a parte do atum que fornece o sangacho. Aquilo que eu sabia estava errado.
O dia tornou-se profícuo e satisfatório, também por ter tirado do marasmo três alminhas que passam o dia a atender turistas que nem sabem o que querem.
E, claro, o meu jantar soube-me a manjar dos deuses.
Pentax K1 mkII, Tamron SP Adaptall2 90mm 1:2,5

By me

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