segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Lá em baixo



O sol já se tinha posto havia um pedaço e eu estava a pendurar uma roupita a secar.
Não havia vento e, por isso mesmo e por haver aqui como que uma praceta, os poucos sons que aconteciam subiam bem até à minha janela.
Estava na terceira ou quarta camisa quando oiço uma criança a chorar. Não chorava muito alto, mas é daqueles sons que não podemos deixar de ouvir.
O tom era de dor mas de alma, que não do corpo.
Seguiu-se-lhe um bater de uma porta de carro e uma voz de homem subiu pelas paredes:
“Já disse que estás de castigo. Hoje não há televisão. Começaste logo de manhã a mentir. Estás de castigo.”
E foram-se afastando as vozes: a do pai (?) e a da criança. Não os vi, que cuscar é feio e teria que afastar as camisas ainda húmidas da lavagem.
Mas disse, de mim p’ra mim, que se o petiz tinha mentido, ser castigado era correcto. Que mentir é feio, sabemo-lo, e só lamentamos todos que os que estão lá em cima, no topo da pirâmide do poder, não sejam igualmente castigados.

Acabei de pendurar as camisas e também me recolhi: mesmo sem vento, as noites de Dezembro sempre são as noites de Dezembro.

By me

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