quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Janelas retalhadas



Da janela aberta oiço música. Reconheço um acordeão.
Da janela da esquerda, também ao nível do rés-do-chão, duas gaiolas de canários. Uma está vazia.
Da janela logo acima, um tipo observa-me, enquanto fuma um cigarro debruçado no peitoril.
Na mesma posição, mas à esquerda, um velhote, de boné, vai olhando, talvez que sem ser, o que acontece em redor, por entre os vasos de madressilvas.
No último andar, uma fulana de manga curta e decote acentuado, mesmo em Dezembro, usa a janela como cabine telefónica.
Mais abaixo que esta mas acima da do fumante, um gato espreita p’la janela, fechada.
No andar à direita, pendurada de um camarão de ferro, uma gaiola com dois periquitos.
Mais acima, solidamente fixada ao lado de uma janela, uma antena da MEO.
À esquerda, ao mesmo nível, uma bandeira nacional, já pálida do sol e esfiapada do vento.
No beiral do telhado, os pombos pousam e esvoaçam, em competição com os pardais no passeio.
No céu, duas gaivotas tomam pulso ao vento, afastadas que foram das águas do rio, bem lá longe.
Da janela da antena, desta feita de TDT, um rapazola provoca-me, chamando-me de Pai Natal. Sorrio-lhe, levando a mão à pala do boné.
Antes de me afastar, um quarentão passeia-se, ora antecedido ora seguido por um caniche de bom porte, talvez ainda mais velho.

E eu, atrás da minha janela fotográfica, num dia cinzento de quase inverno,  depois de uma jornada de trabalho, e num bairro que já foi o meu há quase meio século, apenas consigo retalhar isto.


By me

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