O autocarro era um
destes: comprido, com atrelado, vidros fumados, piso rebaixado, lugar para
cadeira de rodas, indicações sonoras e luminosas sobre as paragens… um dos mais
recentes e confortáveis.
Quando entrei já não
havia lugares sentados. A carreira que faz inclui gente de mais idade, pelo que
mesmo os lugares reservados estavam ocupados com seniores, um deles com
muletas, e duas senhoras com crianças de colo. Fiquei de pé, mais ou menos
junto da porta do meio.
Na paragem
seguinte entrou uma mão-cheia de gente. Uns foram lá para trás, outros ficaram
espalhados pelo corredor, onde puderam. Incluindo uma senhora, jovem, com uma
menina com uns, talvez, cinco anos. Não mais.
A mãe vinha
atrapalhada com a mala, um saco de pano, mais umas pastas com papéis, tentando
equilibrar-se dos solavancos do autocarro e amparando a pimpolha com as pernas.
Num semáforo esta estatelou-se no chão.
Franzi o sobrolho!
Aquela cachopa não deveria vir assim, por sua conta, num autocarro. Não senhor!
Num arranque caiu
de novo, desta feita para trás. Entre-dentes, larguei um não muito contido “fuck!”.
Pedantice de outros tempos, isto do praguejar noutras línguas.
Quando a pequenita
voltou a cair, na paragem seguinte, não me contive:
Gritando bem alto,
perguntei quem dava o lugar àquela criança. Se havia alguma conversa, acabou, que
deixei de ouvir vozes.
Insisti, com voz
ainda mais alta. Nada, mesmo que todo o autocarro me tenha ouvido, de ponta a
ponta.
Fiz jus ao meu já conhecido
mau feitio: Bloqueando com o pé a porta junto a mim e que estava aberta, gritei,
ainda mais alto:
“Esta porta não se
fecha, e o autocarro não arranca, enquanto a criança não estiver sentada!”
Logo se levantou
um burburinho. Alguns protestando contra todos os outros que não cediam o
lugar, outros protestando contra o atraso que eu estaria a impor…
Quem acabou, de
facto, por se levantar, do lugar solitário em que se encontrava, foi um
veterano. Veterano na idade, que os seus cabelos e barbas alvas bem
contrastavam com a negrura acastanhada da sua pele, sob a longa túnica e chapéu
islâmico. Não sei se por pena da criança e da mãe, se por solidariedade com
eventuais antepassados em comum.
Soltei a porta,
que se fechou, e o autocarro seguiu. E, a meias com as conversas ou resmungos,
sobrevieram três sorrisos: a mãe, ora p’ra mim, ora p’ro idoso; este, ora p’ra
mim, ora p’ra mãe; eu, ora p’ra um, ora p’ra outro.
Duas paragens
depois era a minha. E como estava mesmo junto à porta, fui o primeiro a sair.
Tive, assim, tempo de ir andando e passar junto à porta da frente. E olhei, nem
sei porquê, para o motorista.
Este sorria-me, de
orelha a orelha. Fez-me um aceno de cabeça e seguiu com a sua carga, a maior
parte da qual bem que merecia seguir a pé p’la avenida fora.
E meu almoço,
comido por ali e económico, que a vida não está p’ra luxos, soube-me a gourmet,
temperado com aqueles sorrisos que não voltarei a ver.
By me
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