sábado, 3 de outubro de 2009

Livros e memórias


Durante anos fui uma pessoa de sorte. Podia afirmar: “Vou ao meu livreiro”.
Tratava-se de uma livraria no meu bairro, bem, no bairro vizinho, que tinha por nome “Astrolábio”. O seu dono, Sr. Augusto, é pessoa impar. Impar no trato, impar na cultura, impar no negócio, impar na sua história de vida. E no conhecer e lidar com os clientes!
Volta e meia ia lá e dizia: “Sr. Augusto, ponha-me a ler!”
Ele olhava para mim, perguntava-me quais os dois últimos livros que tinha lido, olhava em redor e dirigia-se a uma prateleira de onde tirava um livro. Poderia ser um romance, um ensaio, um livro técnico, ou qualquer outra coisa. Certo é que levei todos os que me pôs na mão, que todos os li de fio a pavio e nunca me arrependi.
Era o meu livreiro, para meu privilégio, mas fechou. A idade impôs e trespassou o negócio. A nova proprietária mudou-lhe o nome, alterou o método e os conteúdos da livraria e deixou de me convencer e cativar. Deixei de lá ir.
E estive uns tempos sem livreiro, abastecendo as minhas estantes e a minha alma onde vem calhando, por vezes em busca de algo concreto, por vezes ao acaso.
Mas creio que, para sorte minha, descobri um novo “Meu livreiro”.
Fica em Lisboa, na rua São Filipe de Neri, e tem o nome de “Trama”.
Das ainda poucos vezes que lá fui, nenhuma me retirei se trazer algo nas mãos ou no saco. Pequena que é, ainda que com dois pisos, tem que ser criteriosa nas escolhas dos títulos que disponibiliza. Na variedade e na qualidade. E consegue sê-lo, para satisfação dos que lá vão. Que se não for com as obras expostas, será certamente com a simpatia de quem nos atende.
Mais ainda: se estivermos em busca de algo específico, que ali não tenham, também não será problemático. Tratam de o encontrar e disponibilizar, desde que exista em alguma livraria ou alfarrabista no mundo. Sei-o com conhecimento de causa e grande satisfação minha.
Mas se tudo isto não bastasse para que livraria Trama passasse a constar dos meus trajectos em Lisboa, outro factor, de cariz muito pessoal me atrai: A sua porta é fronteira à casa onde viveu o meu tio-avô Artur, de quem tenho algumas gostosas e saudosas histórias. A cada vez que vou ali, fico à porta a ver e recordar, recuando uns bons 40 anos.
Não creio que quem quer que leia estas linhas se recorde ou mesmo saiba que existiu o meu tio Artur. Mas se for à livraria Trama, pela certa que ficará com boas memórias e bons livros em casa.


Texto e imagem: by me

Sem comentários: