quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Escatologia


A estrada de Benfica, em Lisboa, tem uns três mil metros, a olho.
Zona densamente habitada, parte do jardim zoológico até aos limites do concelho, passando por museus e igrejas, escolas e centros comerciais, bombeiros e cinemas, institutos e esquadras de polícia. Nos seus limites laterais estão um estádio de futebol, uma linha de caminho de ferro, um cemitério.
É uma zona com uma vida própria muito intensa e diversificada.
Ao longo desta estrada urbana, um grito mudo se repete pelas paredes, expresso na clandestinidade dos graffitis.
Esta interjeição escatológica, que anda na boca do povo quando algo corre mal ou a surpresa é intensa, é aqui semi-perpetuada até que as paredes sejam limpas, escrita entre a passagem do bófia e o cuscar do vizinho, fruto juvenil indiferente aos efeitos do spray no ozono.
Este protesto, que a nada se refere, estando apenas ali, protestando, exprime aquilo que sentimos, que pensamos, que por vezes dizemos. Sugere-nos aquilo de que não gostamos, aquilo que nos incomoda, aquilo queremos mesmo deitar fora, largar da mão, atirar pela janela!...
A mim, nestes tempos que correm, sugere-me a política e a campanha eleitoral que vimos acontecer.
Vimos acontecer e deixámos passar porque nos passa ao lado. Porque a porcaria que nela se constatou, a falta de originalidade em projectos de vida e de sociedade, a chicana e a baixeza com que se insultaram e denegriram, nos passa francamente ao lado, na quase certeza que vamos apenas ter mais do mesmo.
Com talvez outros protagonistas a fazer o mesmo.
A fazer aquilo que em letras grandes está pintado ao longo da estrada de Benfica.
MERDA!


Texto e imagem: by me

Sem comentários: