Não sou do género atlético ou heróico. Nunca estive ligado às actividades desportivas, o meu ventre é bem visível à distância e costumo ter algum bom-senso no que toca à minha integridade física.
Apesar disso, quando vi o dono do café regressar ao seu interior com o segundo extintor na mão, não hesitei: segui-o!
O primeiro, supunha-se, tinha resolvido a questão, havendo apenas fogo no interior da tubagem de exaustão, onde não havia acesso fácil. Restava muito fumo, negro e tóxico, que dificultava ainda mais a visibilidade na fábrica de pão e pastelaria, sem janelas e fracamente iluminada pelas luzes de emergência. Que a energia tinha sido cortada, assim como o gás.
Mas, pelo postigo da zona de clientes para a zona de fabrico ele vira o reacender das chamas e foi, afoito. E razoavelmente inconsciente do perigo a que assim se expunha, ao entrar, sozinho, onde o fumo mais abundava e com o risco de a ele sucumbir. Por isso fui atrás dele. De mãos vazias, que não havia mais extintores e não conhecendo o local, corria, calculado, o mesmo risco que ele à minha frente. Mas sempre poderiam ser necessárias duas mãos para o trazer de volta.
Felizmente não houve que o fazer.
Quando os bombeiros chegaram, com tudo o que entenderam fazer falta para acudir a um fogo, restou-lhes o trabalho de desenfumagem e tomar nota da ocorrência. Tal como fizeram os agentes policiais que também acorreram à chamada.
O que não aconteceu, e me deixou preocupado, foi os residentes dos andares superiores não terem abandonado as respectivas casas, ainda que instados a isso antes da chegada de socorro. O mais que fizeram, como medida preventiva, foi o retirar a roupa estendida a secar, por mor da fuligem.
Mas o que me deixou mesmo furioso foi o que aconteceu ao nível da rua.
É que, mais acima e mais abaixo, existem dois outros cafés. Cada um a uns quarenta metros deste. Não lhe são concorrentes, já que o tipo de clientela e os serviços e produtos que disponibilizam são bem diferentes. De comum mesmo, só o café.
Mas, apesar de não haver rivalidade comercial aparente, nada fizeram em prol do vizinho em apuros. Nem se foram oferecer para o que quer fosse nem mesmo disponibilizaram os extintores que, obrigatoriamente, possuem, para minimizar estragos antes da chegada dos bombeiros.
Assomaram às portas, vigiaram à distância e, a menos que a minha imaginação me pregasse uma partida, quase lhes vi um sorriso meio escondido nos lábios.
Solidariedade, tanto no café debaixo como no de cima, é algo de desconhecido ou assumidamente ignorado. E isto é algo que me deixa fora do sério, ainda que saiba ser a tendência moderna das sociedades desenvolvidas.
Não sei o que farei se o azar lhes bater à porta e estiver por perto. Se bem me conheço, acredito que farei algo equivalente ao de ontem: o necessário na ocasião, sem olhar a quem.
Mas, pensando no que aconteceu nesta minha rua, a vontade que tenho é atravessa-la, sentar-me onde der jeito e, pacatamente, ir fotografando. Afinal, incêndios ao virar da esquina não acontecem todos os dias.
Texto e imagem: by me
Apesar disso, quando vi o dono do café regressar ao seu interior com o segundo extintor na mão, não hesitei: segui-o!
O primeiro, supunha-se, tinha resolvido a questão, havendo apenas fogo no interior da tubagem de exaustão, onde não havia acesso fácil. Restava muito fumo, negro e tóxico, que dificultava ainda mais a visibilidade na fábrica de pão e pastelaria, sem janelas e fracamente iluminada pelas luzes de emergência. Que a energia tinha sido cortada, assim como o gás.
Mas, pelo postigo da zona de clientes para a zona de fabrico ele vira o reacender das chamas e foi, afoito. E razoavelmente inconsciente do perigo a que assim se expunha, ao entrar, sozinho, onde o fumo mais abundava e com o risco de a ele sucumbir. Por isso fui atrás dele. De mãos vazias, que não havia mais extintores e não conhecendo o local, corria, calculado, o mesmo risco que ele à minha frente. Mas sempre poderiam ser necessárias duas mãos para o trazer de volta.
Felizmente não houve que o fazer.
Quando os bombeiros chegaram, com tudo o que entenderam fazer falta para acudir a um fogo, restou-lhes o trabalho de desenfumagem e tomar nota da ocorrência. Tal como fizeram os agentes policiais que também acorreram à chamada.
O que não aconteceu, e me deixou preocupado, foi os residentes dos andares superiores não terem abandonado as respectivas casas, ainda que instados a isso antes da chegada de socorro. O mais que fizeram, como medida preventiva, foi o retirar a roupa estendida a secar, por mor da fuligem.
Mas o que me deixou mesmo furioso foi o que aconteceu ao nível da rua.
É que, mais acima e mais abaixo, existem dois outros cafés. Cada um a uns quarenta metros deste. Não lhe são concorrentes, já que o tipo de clientela e os serviços e produtos que disponibilizam são bem diferentes. De comum mesmo, só o café.
Mas, apesar de não haver rivalidade comercial aparente, nada fizeram em prol do vizinho em apuros. Nem se foram oferecer para o que quer fosse nem mesmo disponibilizaram os extintores que, obrigatoriamente, possuem, para minimizar estragos antes da chegada dos bombeiros.
Assomaram às portas, vigiaram à distância e, a menos que a minha imaginação me pregasse uma partida, quase lhes vi um sorriso meio escondido nos lábios.
Solidariedade, tanto no café debaixo como no de cima, é algo de desconhecido ou assumidamente ignorado. E isto é algo que me deixa fora do sério, ainda que saiba ser a tendência moderna das sociedades desenvolvidas.
Não sei o que farei se o azar lhes bater à porta e estiver por perto. Se bem me conheço, acredito que farei algo equivalente ao de ontem: o necessário na ocasião, sem olhar a quem.
Mas, pensando no que aconteceu nesta minha rua, a vontade que tenho é atravessa-la, sentar-me onde der jeito e, pacatamente, ir fotografando. Afinal, incêndios ao virar da esquina não acontecem todos os dias.
Texto e imagem: by me
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