domingo, 7 de setembro de 2008

A pérola


Até que nem ia muito cheio, o autocarro. Enfim, não mais que o que seria de esperar pelas oito e meia da manhã de um domingo. Principalmente se considerarmos que se afastava do centro da cidade e não o invés.
Fosse como fosse, o pequeno percurso a fazer até chegar à minha paragem, onde iria esperar pelo outro que me depositaria no trabalho, não justificavam que me fosse sentar lá no fundo, onde tudo sacode e solavanca bem mais.
Assim, deixei-me ficar junto à porta do meio, de pé, com a mochila fotográfica nas costas e, pendente de uma das suas correias de transporte, o monopé. Sim, que eu iria aproveitar o facto de o dia estar bonito e de ser domingo, para ir mais cedo para o trabalho e espreitar com olhos de ver e de fotografar a miudezas animais e vegetais que ali existem.
E ali estava eu, abanando um pedaço e sendo alvo dos olhares entediados dos demais passageiros, quando o meu próprio olhar ficou preso. Junto à porta, bem encostadinhas ao varão onde nos agarramos, seguras por um rasgo no metal, umas quantas bolinhas brilhavam. Àquela distância, até que poderiam ser o resultado de uma soldadura bem tosca, mas o local era estranho para isso.
Dei um passo ou dois em frente e, com o pé, tentei perceber de que se tratava. Mexiam-se! Pouco mas mexiam-se!
Foi aí que tentei fazer o meu primeiro número de ginástica de curioso do dia: por entre o chocalhar da viatura, com a pesada mochila nas costas e o monopé a atrapalhar os movimentos, acocorei-me e agarrei uma. E levei a minha curiosidade mais longe: Já erecto, pus os óculos e usei da lupa do relógio para perceber, para além de qualquer dúvida, de que se tratava aquilo que tinha na mão.
Era isto! Uma pérola, de plástico genuíno, de um qualquer colar feminino.
Sendo que sei que os autocarros da capital são limpos todos os dias aquando do recolher, acredito que estivessem por ali há pouco tempo, uma, duas horas no máximo. Para mais sendo domingo, dia de vestir a roupinha especial e de usar os adereços a condizer.
E, com ela na mão, consegui imaginar o que se teria passado para que ela e as suas iguais ali estivessem: Um gesto mal medido em direcção ao varão, com os solavancos da viatura e a caminho da saída, e um dedo metido no colar, forçando o quebrar do fio. E as bolinhas a espalharem-se no chão, talvez umas dentro, outras fora, já com o transporte parado, e a sua dona, ainda que as querendo apanhar, a não o conseguir por via dos olhares de desagrado dos restantes passageiros a quererem seguir viagem e a não quererem ali ficar retidos com o catar da bijutaria.
E imagino também o desgosto da dona, com a toilete cuidada mas com o colo descomposto, nú mesmo, sem saber como se apresentar na igreja onde iria rezar ou junto dos familiares que iria visitar.
Tivesse eu mais tempo, e iria de paragem em paragem olhar o chão, tentando encontrar mais alguma caída e, com isso, verificar onde tal acidente se dera. E, com essa informação extra, tentar imaginar o resto da história, em função do local, das gentes e edifícios.
Mas flores, insectos e outros seres vivos esperavam-me sem o saberem, junto ao espaço onde eu, com botões quase tão pequenos quanto esta pérola, tento criar o tom de pele certo e igual em todas as câmaras de televisão.
Mas se encontrarem uma dona chorosa pelo seu colar, digam-lhe que pelo menos uma das bolinhas eu guardei. Basta telefonar-me.


Texto e imagem: by me

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