Quando eu era pequeno não
gostava de sopa. Mas não gostava mesmo, à imagem e semelhança de muitas outras
crianças de aquém e alem mar.
Fazia fita, argumentava,
amuava… E só as fortes ameaças (algumas concretizadas) ou brilhantes engodos me
faziam deglutir aquela coisa que não era nem liquida nem sólida, que não se
bebia nem mastigava. Ainda hoje é um pouco assim.
Aquele dia não foi
diferente dos outros. Não queria mesmo comer a sopa! Mas uma ideia brilhante
assolou a mente de quem estava comigo e propôs-me um acordo: eu comeria apenas
metade da sopa. A metade do lado direito. Com a colher, traçou um risco a meio
do prato da sopa e do seu conteúdo e mostrou-me qual a minha metade e qual a metade
a deixar ficar no prato.
Aliciado com esta
indulgência súbita, ataquei o prato de sopa. Com todas as cautelas, a colher
mergulhava exclusivamente na minha metade, deixando virgem a outra. E
rapidamente, não fosse mudarem de ideias.
Claro está que quando
rapei a última gota da minha metade a outra fora comida também!
Olhei desconsolado para
aquele prato vazio, percebendo que a tinha comido por inteiro. E fiquei
furioso!
Furioso por ter sido
enganado, por ter acreditado em quem deveria acreditar e que me havia enganado!
Furioso por ter aceite um
negócio insuspeito e ter sido levado a fazer o que não queria!
Fiquei tão furioso que ainda
hoje, passados que são uns cinquenta anos, me recordo do episódio, das
circunstâncias, dos intervenientes, das sensações!
Ficou-me de lição! Talvez
tenha sido nesse dia que acordei para a hipocrisia e mentira, para os engodos e
aldrabices.
Hoje continuo a
desconfiar das ofertas muito generosas. Dos bancos, dos vendedores, dos
governos, dos empregadores, por vezes até dos anónimos.
Perante as promessas de
“apenas metade” lembro-me sempre das outras metades que haveria que engolir a
contra-gosto se nelas acreditasse.
Lá diz o povo e com
razão: “Galinha gorda por pouco dinheiro, choca vai ela!”
By me
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