domingo, 8 de abril de 2018

Imparcialidades




As sociedades desde sempre entenderam as sepulturas como local “sagrado”, a proteger.
Quer seja pelo respeito pela “vida além da morte”, quer seja porque se entende que o defunto não tem como se defender dos intrusos, quer seja para garantir a tranquilidade do local onde a saudade e o desgosto dos vivos pode ser expressa, a verdade é que se considera um crime, ou uma ofensa grave, a perturbação dos cemitérios.
Censurada pela sociedade, criminalizada pela lei.
No entanto, pode perguntar-se até onde vai no tempo esse respeito pelos mortos. Dez anos? Cinquenta anos? 1000 anos?
Isto a propósito de ter sido identificado o género dos restos mortais de um egípcio.
Nas escavações de um túmulo encontraram uma sepultura onde já só restava uma cabeça mumificada. Que foi levada, em 1915, para um museu nos EUA. Só agora, mais de cem anos depois, foram capazes de saber se se tratava de um homem ou de uma mulher.
Tiraram-lhe um dente e submeteram-no a testes científicos para o saberem.
Suponho que, em havendo vida para além da morte, o antigo dono daquela cabeça já se terá esquecido que a teve, passados que são mais de 4000 anos de a ter usado. Mas a pergunta fica no ar:
Qual o limite temporal para que a investigação ou profanação de defunto deixe de ser considerado crime? Ou, vistas as coisas de outra forma, pode a ciência (e a justiça, já agora) considerar-se acima das leis que querem impor aos comuns cidadãos?
E, já que falo em “cidadãos comuns”, recordo algo que li esta sexta-feira.
Sobre a situação no Brasil e da condenação e prisão de Lula da Silva, os seus advogados apresentaram um último pedido de habea corpus. As notícias deram-no como recusado mas vieram depois dizer que teria sido um engano: Aquele pedido não deferido não seria sobre o caso de Lua da Silva mas sobre um outro caso, de um cidadão comum.
Conclui-se daqui que há cidadãos comuns e os outros, os excepcionais. E que os media, tal como a justiça, abordam uns e outros de modo diferente. Com decisões, veredictos e divulgações diferenciadas consoante seja “comum” ou “incomum”.
Gosto da venda da justiça, cheia de buraquinhos. E gosto da imparcialidade jornalística, coxa e cambaleante. Tal como gosto de tantos a dizerem “RIP”, mas só durante algum tempo. Depois disso, tanto faz!



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