Estamos em Abril e o mês tem inúmeros significados.
A melhoria notória do tempo, os polens, o terceiro período escolar…
e a memória da revolução, claro.
Este “claro” é só para alguns, claro. Que, feitas bem as
contas, talvez que a maioria dos portugueses de hoje não estivesse vivo ainda
então. E, dos que estavam, alguns não guardam boas memórias. É normal, numa
revolução.
Gostaria, no entanto, de contar uma memória. Que não é
privada porque foi vivida por vários.
Na sequência da revolução deixou de existir ensino público
segregado por género. Escolas e liceus, logo no ano lectivo seguinte, passaram
a ser mistos, com rapazes e raparigas a partilharem aulas e pátios. E,
principalmente, a partilharem-se.
Este novo e súbito modo de viver fez com que toda aquela
raparigada e rapaziada andasse com as hormonas descontroladas. E, se lhe
juntarmos o aprender a viver em democracia e em liberdade, alguns excessos se
cometeram. Em diversos níveis.
Um deles foi a rápida deterioração do material escolar.
Mesas, cadeiras, carteiras, por muito robustas que fossem e porque já idosas na
sua maioria, iam sendo retiradas do activo por serem incapazes de cumprir a sua
função.
Aquando do final do segundo período de ’75 partilhávamos, em
muitas salas do liceu que frequentava, uma cadeira para dois rabos. Por “entusiasmante”
que fosse, era pouco prático.
Pois alguns de nós passámos parte das férias da páscoa desse
ano no sótão do liceu. Supervisionados por um continuo, e de ferramentas na
mão, serrámos, martelámos e aparafusámos aquele mobiliário para o recuperar. Na
medida do possível, claro.
Chegávamos a casa com as mãos doridas e empoladas de bolhas.
Que não estavam elas habituadas a tais trabalhos.
Mas com a alegria estampada no rosto por sabermos que o
futuro estava nelas e que o estávamos a construir.
O tempo passou e perdi o rasto à maioria dos que comigo ali
ombrearam.
Acredito que parte dos que ali estiveram se tenham acomodado
ao evoluir dos tempos. E que hoje, nas mesmas circunstâncias, reclamassem junto
de uma qualquer autoridade ministerial por um concurso público para reparação
ou substituição de mesas e cadeiras.
E sei que a maioria dos que hoje estudam assim procederiam,
eventualmente com cartazes e dichotes à porta do liceu ou na avenida.
É fácil querer que “os outros” façam. E até pode ser
divertido reclamar por isso.
Mas, as mais das vezes, esquecem-se que nós somos “os outros”.
Nós somos a sociedade. E quando exigimos à sociedade estamos a exigir a nós
mesmos. E que quando não intervimos não podemos esperar que “os outros”
intervenham.
Felizmente que alguns dos de então não desistiram de fazer
no lugar de exigir. E felizmente que alguns dos de hoje seguem o mesmo caminho.
Individualmente ou em grupo, as mais das vezes sem
publicidade, avançam e fazem, “fazendo o bem sem olhar a quem”.
Dizem que se chega a velho quando se tem mais memórias que
sonhos.
Tenho muitas. Mas também tenho o sonho com o haver mais
gente a fazer que a pedir que se faça. E vou fazendo, claro.
By me
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